Ano 01 nº 13/ 2020: Golpe de Estado ao Vivo - Fernando Ferreira; O Brasil é Uma Máquina de Moer Gente - Rosa Gomes; 25 de Abril SEMPRE!

Boletim 13


A conjuntura ...

GOLPE DE ESTADO AO VIVO

 

Fernando Sarti Ferreira

Doutorando em  História Econômica - USP

O roteiro é pueril, bem à moda do espírito de nosso tempo. Era palatável ter Bolsonaro presidente quando o ritmo era de três crises para uma rodada de destruição de direitos – a esquerda deve evitar chamar qualquer medida do projeto neoliberal de reforma. A pandemia acelerou o ritmo da política e provocou um enorme descompasso. A crise do coronavírus, ao que tudo indica, é uma daquelas crises com c maiúsculo, como a Crise de 1929. É uma daquelas crises que carrega dentro de si em potência a possibilidade de se colocar em xeque um consenso arduamente construído desde 1973: a tal “razão do mundo” neoliberal. E neste momento, como em outros semelhantes, o Partido da Ordem se apressa para não perder a oportunidade. O líder fascista é consciente da realidade e do valor da sua relativa autonomia em relação às instituições. Corre-se para evitar o imponderável.

A semana começou com o novo Ministro da Saúde mostrando claramente a que veio: obedecer a agenda do chefe, e não dos pagantes. O fascismo é uma orquestra que você paga barato, mas pode sair caro, pois o maestro é quem decide o repertório. No mesmo momento, aparece um desses incontáveis generais anunciando um suposto programa de investimentos em obras públicas para reativar a economia de 30 bilhões de reais. O dinheiro de pinga anunciado – e inexistente - é transformado pela claque neoliberal em um programa de reestatização, a la o segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel). A bola é lançada para a grande imprensa que vaticina: “o presidente está isolado. Abandonou a agenda liberal”. Seguindo o roteiro, no dia seguinte surge o juiz, que nada mais é que um fascista que come com talheres, e a anuncia sua saída.

Quem pula primeiro? Correndo em direção aos coletes salva-vidas, militares e neoliberais devem estar disputando a tapa quem será fotografado abraçado junto ao capitão, enquanto o barco afunda. O problema é que Bolsonaro atualmente é capaz de provocar uma crise na hierarquia e disciplina militares que fará os generais terem saudades da revolta dos sargentos de 1963. O levante será da PM e não exigirá o direito ao voto, mas o fim deste.

Mourão já deu provas de ser bem mais palatável. Festa no centro. O problema é que ele não existe mais e Bolsonaro fora da presidência por meio dessa manobra mequetrefe só tem a crescer. A punhalada que fará o bolsonarismo gigante não será aquela desferida por Adélio Bispo. Aquela foi na barriga. A punhalada que faz o fascismo crescer é aquela que é dada pelas costas.

bozo


A conjuntura ...

 

O BRASIL É UMA MÁQUINA DE MOER GENTE

 

Rosa Rosa Gomes

Mestre em  História Econômica - USP

 

Desde os tempos coloniais, o território que hoje constitui o Brasil é palco de genocídios e epidemias.

Primeiro foi o genocídio indígena, causado principalmente por uma epidemia. A varíola foi a arma biológica que auxiliou os portugueses na colonização desse território “inabitado”.

Ao mesmo tempo, a introdução do trabalho escravo com as formas de punição e condições de sobrevivência de uma massa de pessoas desprovidas de individualidade, desprovidas da liberdade individual do liberalismo capitalista, totalmente objetificadas, cumpriu seu papel genocida. Os milhões de escravizados que cruzaram o Oceano Atlântico, dos quais muitos não sobreviveram à viagem e outros tantos morreram aqui, são parte da máquina da morte. A miscigenação decorrente desse processo é resultado de uma sociedade do estupro, na qual a escravidão entranhava todos os seus aspectos, inclusive o sexual.

O genocídio da Ditadura Militar abrindo estradas para resolver problemas como “o homem sem terras no Nordeste e a terra sem homens na Amazônia” e escondendo o massacre feito pelos tratores nesse processo é mais um capítulo nessa história. “Abrir fronteiras”, velha ladainha ouvida em todos os cantos e tempos históricos desse país. Significa, na verdade, explorar pessoas, matar aqueles que não se submeterem ou que forem “excedentes”, roubar a riqueza do território para satisfazer necessidades que não são humanas, que são incompreensíveis do ponto de vista da sobrevivência da espécie: um Iphone, por exemplo.

Hernan-Medici

Cabeça de Hernán Cortez e corpo de Emílio Médici

Mais recentemente o genocídio da população negra, denunciado já a décadas. O genocídio como política de Estado substituindo a instituição da escravidão no controle dos trabalhadores e dos pobres. O monopólio da violência cumprindo seu papel na contenção da situação de miséria em que vive a grande maioria da população brasileira (Porque as condições melhoraram muito – e já voltaram a piorar – mas não podemos dizer que chegaram à patamares que se possa chamar de razoável. Não são razoáveis as moradias em favelas, a falta generalizada de saneamento básico, falta de moradia pura e simples).

E agora, mais um elemento a colaborar no genocídio dos trabalhadores e pobres deste país: o coronavírus. Mais uma epidemia a assolar este país e que, ao que tudo indica, vai matar os pobres e marginalizados. Os dados dos jornais mostram que em várias regiões 100% dos leitos de hospital estão ocupados, pessoas morrem na porta dos hospitais implorando socorro. Em São Paulo, o dado pode enganar o desavisado: 80% dos leitos ocupados, ufa! Só que os hospitais de Paralheiros, Itaquera, Cidade Tiradentes e o Emílio Ribas estavam com 100% da capacidade já no dia 21 de abril de 2020. Ou seja, a rede pública está explodindo. Os leitos que sobram são em hospitais privados e não se fala na estatização desses leitos.

Além disso, no mesmo Estado de São Paulo, o governador, alçado a herói por ter um discurso considerado razoável (embora eu ache que o termo marqueteira se adéque melhor), anunciou no começo da pandemia brasileira que os cidadãos poderiam pegar os remédios de alto custo para 3 meses, evitando assim que as pessoas do grupo de risco se expusessem ao vírus. Maravilha! Ele só esqueceu de aumentar o estoque de remédios para possibilitar que todos pudessem pegar a quantidade necessária.

Uma falha? Só se for daquelas programadas. O marketing é tão bom que a proposta nem precisa ser realizada, porque o problema vira uma falha de comunicação: a ordem foi dada. É que entre o líder e a base existem os intermediários, nem sempre tão competentes. Esse é o discurso da Secretaria de Saúde de São Paulo. Podemos dizer que muito parecido com o de Bolsonaro: eu não tenho nada a ver com o desemprego gerado pela pandemia, assim como eu não tenho nada a ver com a falta de remédios nas farmácias de alto custo.

Isso é um fragmento de uma mesma engrenagem, agora com o novo componente do coronavírus. Uma máquina 100% nacional, que constitui os alicerces dessa nação e que serve para moer a carne do trabalhador brasileiro desde sempre!

O que nos resta é parar as máquinas! Quebrar esses moedores coletivamente! Encontrar nossa identidade de classe! Nossa consciência de classe!

Revolta da Vacina

 

Memória Operária…

 

Amanhã, 25 de abril de 2020, faz 46 anos da Revolução dos Cravos. Aquela que libertou Portugal da ditadura salazarista e abriu um mundo de possibilidades. Aos caídos na luta contra a Ditadura e pela preservação da memória das lutas dos trabalhadores, relembramos a canção:

 

Grândola Vila morena

Terra da fraternidade

O povo é quem mais ordena

Dentro de ti ó Cidade

 

Em cada esquina um amigo

Em cada rosto a igualdade

O povo é quem mais ordena

Dentro de ti ó Cidade

 

Dentro de ti ó Cidade, oh, oh, oh

Juro em ter a companheira

A sombra de uma azinheira

Que já não sabia a idade

PCP

 


Expediente

Comitê de Redação: Adriana Marinho, Vivian Ayres, Rosa Rosa Gomes.
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Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
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