Ano 01 nº 15/ 2020: Substituir Futuros Temporariamente Suspensos - Nathália Barbosa

Boletim 15


A conjuntura ...

 

SUBSTITUIR FUTUROS TEMPORARIAMENTE SUSPENSOS

 

 

Nathália Albar Barbosa

Graduada em  Design pela FAU - USP

Boletim15

David Wojnarowicz — 1988 — (untitled), Buffalos caindo

Talvez você se identifique com a situação: pessoa diagnosticada com ansiedade crônica desde a infância (além de otras cositas más) se vê surpresa pelo fato de não ter ainda manifestado os sintomas da sensação de pânico e caos generalizado dominantes nas ruas nos últimos dias. Caos este parte oriundo por uma situação de instabilidade econômica e financeira em crescente exponencial, agravada mais ainda nas últimas atualizações referentes à retirada de investimentos do país, e agora ridiculamente exteriorizado e acelerado pelo surto de COVID-19 em terras nacionais.

A ansiedade é a sensação constante de se viver no futuro, de imaginar o que vai acontecer, tentar prever. Em doses exageradas pode implicar em falta de ar e ataques de pânico mas em doses moderadas é também o que nos faz continuar vivendo, planejando. Se não existe futuro não existe o porquê de fazer algo — estamos suspensos no presente,em uma posição flutuante (BARTHES, O Neutro, p. 43).

O primeiro engano que essa situação de incerteza não tão nova, mas nunca antes tão potencializada nos coloca é a de que o dar vida às coisas como conhecemos é o único formato possível. Por dar vida às coisas aqui quero dizer, injetar um tico de “alma” e compartilhar com o mundo para que essa alma seja perceptível. Explico melhor: se você produz um trabalho excelente, ele talvez tenha pouca serventia ficando em cima da mesa de cabeceira. Parte do trabalho está feita, ele já possui sua alma assim que nasce (Lapoujade, Flusser, Kant), contudo, ela não é perceptível se aquilo não é compartilhado. Disso, poderíamos imaginar que o que importa nas coisas não é de fato a alma e sim a aparência da alma (metafísica em pânico), mas isso já é caso pra outra história. Voltemos.

Para termos um exemplo mais palpável — a ideia de futuro, de viver o futuro, é o que nos faz traçar planos e nos tira da suspensão. Você pode estar tentando aprender um novo instrumento, mas agora, com a possibilidade difusa em formar uma banda, se apresentar na casa de show da sua cidade, tocar com os amigos, parece que não vale mais tanto a pena continuar. Aplique essa mesma correlação para as coisas que você faz na sua rotina: porque você trabalha, porque você penteia o cabelo de um jeito específico, veste determinadas roupas, reserva outras para o final de semana, e vai perceber que tudo que fazemos está ligado à ideia não do momento, mas sim do vir a ser, do que isso trará no futuro.

Retomemos a questão inicial, a armadilha se traduz em algo como “Por que eu aprenderia o novo se não poderei transformá-lo em nada, se não sei nem mesmo se estarei vivo amanhã?”. Acabamos invertendo então a lógica natural de termos prazer no presente mas trabalhando para o futuro para algo como assumindo o presente como a única realidade do futuro. No limite, essa inversão de papéis à extrema nos paralisa da mesma forma que a crise de ansiedade, contudo, em uma chave do marasmo. Enquanto a crise de pânico suspende as ações tanto do presente quanto as voltadas para o futuro, a crise do marasmo (vamos chamá-la assim por hora na falta de um nome melhor) suspende apenas as ações futuras nos colocando nesse estado de flutuação constante. Pensando bem, flutuação não é exatamente o termo, visto que ele implica em limitação do poder de ação, talvez um estado de repouso constante. O repouso sim é deliberado e pode ser quebrado sem limitações físicas.

Nós vamos aguardar ainda que sem a certeza de que algo novo virá. No senso geral atual, talvez aguardamos para que possamos rever os amigos em alguns meses. Aguardamos para rever nossos avós ou para que possamos bater nossos pés por aí e acolá novamente. Vamos supor que essa situação não aconteça e que nós não possamos rever os amigos ou bater pernas como antes, o que nós estaríamos esperando então? Esse duro choque de paradigma nos coloca em face a fazer uma escolha - assumir, contraditoriamente, que esse estado de futuro que nós gostaríamos de voltar não existe mais e por isso viveremos presos no presente "físico" ou, assumir que o presente físico pode assumir a ideia de um futuro imaterial, amorfo, para o qual vale a pena continuar os projetos, viver.

 


Expediente

Comitê de Redação: Adriana Marinho, Vivian Ayres, Rosa Rosa Gomes.
Conselho Consultivo: Dálete Fernandes, Carlos Quadros, Gilda Walther de Almeida Prado, Daniel Ferraz, Felipe Lacerda, Fernando Ferreira, Lincoln Secco e Marcela Proença.
Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
Endereço: Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Sala H4. São Paulo/SP. CEP: 05508-000

Email: mariaantoniaedicoes@riseup.ne