Ano 01 nº 17/ 2020: Dia 02 de Maio: o que nos espera? - Simone Almeida; Reflexões sobre a Pedagogia da Autonomia e a Pandemia Atual - Jandira Silva

boletim17


A conjuntura ...

DIA 02 DE MAIO: O QUE NOS ESPERA?

 

Simone Almeida

Historiadora, pesquisadora, estudante de curso técnico em Arquivo e estudante de Engenharia da Computação (Univesp)

 

Mais um 1º de Maio se passou e sabemos a importância simbólica da luta da classe trabalhadora. Mas este de 2020, especialmente devido ao avanço da epidemia do Covid-19, talvez seja o mais diferente de todos: triste e cheio de incertezas.

As tradicionais manifestações promovidas por organizações sindicais foram realizadas por lives e tiveram pouco alcance. O que se destacou nas capas de jornais foi a manifestação dos profissionais da saúde1 em frente ao Planalto, em Brasília, todos carregando cruzes pretas em um ato simbólico de homenagem os colegas de profissão. Todos os manifestantes estavam em distanciamento uns dos outros e utilizavam máscaras de proteção, porém, como se não bastassem as dificuldades que veem enfrentando, grupos favoráveis ao Bolsonaro agrediram os manifestantes covardemente.

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Enfermeiras com máscaras de proteção seguram cruzes durante protesto simbólico e homenagem aos trabalhadores da saúde no Dia do Trabalho, em Brasília - Foto: Ueslei Marcelino/Reuters, G1.

Também aconteceram manifestações da extrema direita bolsonarista em algumas cidades brasileiras: em São Paulo, em frente ao hospital de campanha no Ibirapuera, os manifestantes canalhas pediam o fim do isolamento social e a reabertura do comércio, sem nenhum respeito ou empatia por aqueles que estão doentes e lutando pela vida.

Essas pessoas devem ser punidas de alguma forma, pois já chegaram ao nível extremo de falta de empatia e canalhice, misturada com ódio, fanatismo religioso e um nacionalismo fajuto.

Ao redor do mundo, também houve várias manifestações, como, por exemplo, o comício do 1º de Maio do lado de fora do Parlamento grego, em Atenas, além de alguns outros países, que assistiram à violência da força do Estado contra manifestantes, à exemplo do Líbano.

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Manifestantes mantém distanciamento social durante um comício do 1º de Maio fora do Parlamento grego, em Atenas, nesta sexta-feira - Foto: PAME via AP, G1.

Como já sabemos, o Brasil não elaborou absolutamente nenhum plano de contingenciamento epidêmico, desde o início da pandemia mundial, contrariando as recomendações da OMS e, infelizmente, já estamos colhendo o fruto: uma verdadeira “combinação orgânica” do coronavírus, do sistema tecnológico insuficiente e da necropolítica neoliberal bolsofascista. Por este motivo, em suas sessões diárias de delírio esquizofrênico, o dito presidente incentiva a volta ao trabalho, e pouco importa quantos morreram (E daí??), seus desejos assassinos estão sendo realizados.

Mas é claro, quanto mais pessoas morrerem, principalmente idosos, é melhor para a Previdência Social e para a economia. Na verdade, ele é um grande aliado da doença.

Sobre o auxílio emergencial de R$ 600,00 para trabalhadores informais e R$ 1.200,00 para mães solos pela Caixa, há uma série de dificuldades em acessá-lo através do App Caixa TEM, ocasionando, em longas filas aglomeradas, um cenário propício para contaminações em larga escala.

De acordo com o jornal Estado de São Paulo2, Onyx Lorenzoni afirmou que as filas da Caixa ocorrem por causa da “natureza” e “cultura dos brasileiros”. Ainda afirma que há uma parcela da população “que não usa o aplicativo, não usa o sistema digital”.

Oras, é dever do governo federal garantir uma infraestrutura tecnológica e organizacional que facilite aos trabalhadores obterem o dinheiro que lhe pertence. Talvez essa cena seja a mais dolorosa: milhões de pessoas desempregadas, para as quais o desespero por não passar fome transcende o medo de morrer pelo coronavírus. O Estado brasileiro não quer cumprir seu papel como Estado, mas está sendo obrigado a fazer o mínimo do mínimo para ajudar o contingente de trabalhadores que eles rotulam de “invisíveis” – o termo certo seria “trabalhadores negligenciados e injustiçados pelo poder público, em prol do neoliberalismo”.

O mesmo ocorre com a medida provisória 9363, que permite a redução salarial em 25%, 50% e até 70%, acesso ao seguro desemprego, entre outros.

Diante de todo um histórico de lutas desde a escravidão, incluindo as lutas sindicais, por vários anos o Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho4 e as garantias de direitos da CLT foram completamente destruídos devido ao avanço das pautas neoliberais e temos quase 13 milhões de brasileiros desempregados por causa da recessão econômica que já estava sendo agravada sem previsão de melhoras muito antes da pandemia.

O neoliberalismo exclui milhões de pessoas jogando-as na miserabilidade, sem recursos mínimos de sobrevivência, acentuando cada vez mais a violência em todos os sentidos. É um processo nefasto de destruição, criando-se uma escassez de consumidores ao mesmo tempo em que cresce a quantidade de pessoas que necessitam dos bens de consumo.

O único cenário certeiro até o momento é a autodestruição do neoliberalismo em todas as suas esferas e a obrigação do Estado em adotar medidas protecionistas aos trabalhadores.

E a questão após o dia seguinte ao dia dos Trabalhadores ainda permanece: o que nos espera, sendo que alguns de nós certamente não estarão vivos para ver o desenrolar desse processo histórico pós pandêmico?


A conjuntura ...

REFLEXÕES SOBRE A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA E A PANDEMIA ATUAL

 

Jandira R. P. da Silva

Professora de MOVA

 

No capítulo “Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica”, do livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire usa uma simbologia para expressar o seu despertar para olhar a realidade e compreender que a educação é ideológica. Compara esse fenômeno com a sombra do cipreste nas manhãs orvalhadas de nevoeiro e nos leva a refletir sobre como é difícil compreender esse momento atual, mas nos alerta para a necessidade da leitura da realidade: ver, julgar e agir – um método tão esquecido nos últimos anos. Metidos na penumbra, na miopia da qual somos acometidos, é difícil ver com clareza e assumir, cada um, a sua responsabilidade.

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Estrada com Cipreste e Estrela - Van Gogh

O capitalismo vê a quarentena, o isolamento social, como prejudicial: produção versus economia. Nunca o trabalhador foi tão requisitado, mas o mesmo não percebe o jogo, por causa da miopia. Havia um discurso que colocava o desemprego como desgraça do século XX. Hoje, a pandemia nos faz parar sem nem ao menos podermos nos planejar, organizar a dispensa. E agora, José? De quem é a culpa? Quem paga a conta? Pré-sal, Amazônia, Base de Alcântara, fechamento de Ministérios, retirada de investimentos públicos em Ciência e Tecnologia. Que responsabilidade política temos? Toda a penumbra do cipreste nos ensurdece, nos miopiza, e a ideologia nos faz aceitar docilmente a voz do capital: “saia do isolamento!”

Sonhos morreram e o que vale hoje é o pragmatismo, a ideologia universal do capital. O sistema capitalista coloca o Terceiro Mundo como se estivesse no mesmo patamar dos países centrais, como se essa viagem fosse a mesma para todos os passageiros, independentemente de onde embarcamos. Separa o mundo entre os “fortes”, que podem usufruir de seus direitos, e os “fracos”, indicando sua “fraqueza” como a responsável pela impossibilidade de usufrui-los. O discurso da globalização procura ocultar, ou nela busca penumbrar através de um discurso ideológico, toda a exploração.

Há um século e meio, Marx e Engels gritavam a favor da classe trabalhadora e contra sua espoliação. Agora se fazem necessárias a união e a rebelião contra a ameaça que nos atinge: pandemia versus isolamento. Submetidos à implacabilidade do mercado, agora querem que a classe trabalhadora se sinta responsável pela economia. Pedagogia da Autonomia nos leva a compreender a grande força alicerçada à nova rebeldia que é a ética universal do ser humano, e não do mercado – preocupado com a gulodice e o lucro. A grande força é a ética da solidariedade humana: é preferível ser criticado por ser um idealista sonhador inveterado a continuar sem lutar e apostar no ser humano.

 

11º DE MAIO: manifestações ao redor do mundo em tempos de pandemia. G1, 1 maio 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/05/01/1o-de-maio-manifestacoes-…;. Acesso em: 02 maio 2020.

2ONYX diz que filas da Caixa ocorrem por causa da “natureza” e “cultura” dos brasileiros. Estadão, São Paulo, 30 abr. 2020. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,onyx-diz-que-filas-da-ca…;. Acesso em: 02 maio 2020.

3BRASIL. Medida Provisória Nº 936, de 1º de abril de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm&…;. Acesso em: 2 maio 2020.

4Recomenda-se a leitura do livro: A Justiça do Trabalho e sua história: os direitos dos trabalhadores no Brasil. Org.: GOMES, Ângela de Castro; SILVA, Fernando Teixeira da. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.


Expediente

 

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