Ano 01 nº 24/ 2020: Clóvis Moura: um intelectual orgânico - Gabriel Rocha

Boletim 24


Mundo acadêmico ...

 

CLÓVIS MOURA: UM INTELECTUAL ORGÂNICO

 

Gabriel dos Santos Rocha

Historiador, mestre em História Social, doutorando em História Econômica - USP

 

Clóvis Steiger de Assis Moura nasceu em Amarante, no Piauí, em 1925 e faleceu em São Paulo, em dezembro de 2003. Passou parte da infância e juventude em Natal, Rio Grande do Norte, onde viveu até 1939. O levante comunista ocorrido naquela cidade em 1935 contribuiu para sua adesão à esquerda1. Iniciou sua vida intelectual como porta-voz do Grêmio Cívico Literário do Colégio Diocesano Santo Antônio, onde aos, 14 anos, de idade criou o jornal O Potiguar e publicou seu primeiro artigo, Libertas quae sera tamen, sobre a Inconfidência Mineira. Anos depois, o trabalho na imprensa tornou-se sua profissão e um meio de inserção nos debates políticos e sociais. Ao longo de sua vida atuou em diferentes órgãos, desde os periódicos comunistas até os jornais da grande imprensa, como por exemplo: Literatura, O Momento, Última Hora, Fundamentos, Folha de São Carlos, Princípios, Diários Associados2.

 

moura

Fonte: PEREIRA, João Baptista Borges. O último legado de Clóvis Moura. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, p. 311-312, abr. 2004.

 

Em 1941, Clóvis Moura mudou-se com sua família para Salvador, Bahia, onde se engajou em movimentos antifascistas e se aproximou do PCB (na época Partido Comunista do Brasil). Em 1942, mudou-se para Juazeiro, Bahia, mas manteve correspondência com a intelectualidade e a militância que conhecera na capital daquele estado. Integrou-se à Associação Brasileira de Escritores (ABDE). Em meados da década de 1940, filiou-se ao PCB e, em 1949, começou a colaborar com O Momento, periódico do partido com sede situada em Salvador. Naquele mesmo ano, fundou o jornal Jacuba com o objetivo de difundir as ideias do partido na interiorana Juazeiro3.

Foi naquele contexto, nos anos 1940, que começou seus estudos sobre a realidade brasileira a partir da História e da Sociologia, e passou a corresponder-se com intelectuais como Donald Pierson, Emílio Willems, Arthur Ramos, Édison Carneiro, Caio Prado Jr., entre outros. As cartas trocadas com esses intelectuais naquele período já revelam o interesse de Clóvis Moura em compreender o Brasil a partir da presença negra: a intenção de seus estudos sobre as rebeliões dos escravizados no período colonial e imperial estão documentadas naquelas correspondências4. Nota-se que o autor iniciou sua investigação sobre a história do negro no Brasil concomitantemente à sua adesão ao marxismo e à militância comunista.

Na década de 1950, mudou-se para São Paulo onde passou a atuar na Frente Cultural do PCB, junto com Caio Prado Jr., Vilanova Artigas e Arthur Neves. Entre 1951 e 1952, publicou a revista Flama, em Araraquara (SP). Na capital, colaborou com a revista Brasiliense, dirigida por Caio Prado Jr., e foi secretário de redação da revista Fundamentos, fundada por Monteiro Lobato e publicada trimestralmente pelo PCB sob a direção de Armênio Guedes, Vilanova Artigas e Caio Prado Jr.. Trabalhou também como redator do jornal Última Hora, dirigido por Samuel Wainer, onde permaneceu entre 1952 e 1958; e foi redator chefe de reportagem do jornal Notícias de Hoje do PCB entre 1953 e 1954. Trabalhou como redator dos Diários Associados (Diário da Noite e Diário de São Paulo) de Assis Chateaubriand em 19595.

Naquele mesmo ano, 1959, publicou seu primeiro livro, Rebeliões da Senzala, um estudo sobre a sociedade escravista a partir da contradição entre escravizados e escravocratas, as duas classes fundamentais do Brasil colonial e imperial6. Apesar da pouca aceitação na primeira década após sua publicação, o livro posteriormente tornou-se um clássico sobre as insurreições negras. Os temas ali abordados foram ampliados nas obras subsequentes de Clóvis Moura ao longo das quatro décadas seguintes7. O autor também escreveu sobre a situação social do negro no pós-abolição, analisou criticamente a historiografia e a sociologia sobre o negro, produziu crítica literária, estudou a questão agrária e as lutas camponesas.

 

capa

Capa da primeira edição do livro Rebeliões da Senzala

 

Em 1961 o PCB mudou o nome para Partido Comunista Brasileiro com o objetivo de conseguir a legalidade da legenda junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Divergências internas que vinham ocorrendo no partido resultaram na cisão de 1962 que deu origem ao PCdoB, o qual retomou o antigo nome da organização: Partido Comunista do Brasil8. Moura aderiu a essa dissidência liderada por João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar.

A partir dos anos 1970, Clóvis Moura se aproximou de organizações negras, com as quais colaborou e sobre as quais produziu estudos. O autor tornou-se referência para a militância negra marxista que surgiu naquela época, sendo o Movimento Negro Unificado (MNU) sua maior expressão, influenciando organizações que surgiram nas décadas subsequentes, como nos mostra Dennis de Oliveira:

O pensamento de Moura foi a base da elaboração de projetos políticos de várias entidades do movimento negro. Nos anos 1990, somente a Unegro assumia-se publicamente como seguidora do pensamento moureano. Após 2000, há uma recuperação do pensamento de Moura em várias entidades de jovens negros, como o Círculo Palmarino, o Quilombagem e o Coletivo Quilombação, fundado em 14 de dezembro de 2013 em uma atividade de celebração dos dez anos de falecimento de Moura9.

A aproximação do movimento negro na década de 1970 coincidiu com o momento em que o autor fundou o Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA), o qual serviu de espaço para amplificar suas pesquisas e seus debates junto à militância e à intelectualidade acadêmica10.

No final da vida, mantendo-se comunista, porém, distante da vida partidária, Moura passou a colaborar com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) até o seu falecimento em 2003.

getty

Getty Images

 

1FREIRE, Alipio. Apresentação. In: MOURA, Clóvis. Sociologia Política da Guerra Camponesa de Canudos. São Paulo: Expressão Popular, 200, p. 15

2MALATIAN, Teresa. O cronista de Sparkenbroke. In: Moura, Clóvis. Memórias de Sparkenbroke: Fora do Tempo. Org. por MALATIAN, Teresa; TROITIÑO, Sonia; VIEIRA, Cleber Santos. São Paulo: Unesp, 2019, p. 26.

3OLIVEIRA, Fábio Nogueira de. Clóvis Moura e a sociologia da práxis negra. Niterói, 2009. 173 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Universidade Federal Fluminense.

4As correspondências e outros documentos do autor estão disponíveis no Fundo Clóvis Moura do Centro de Documentação e Memória da Unesp.

5MALATIAN, Teresa. Um jornalista combatente: Clóvis Moura e a política cultural do PCB (1951-1952). História, São Paulo, v. 37, 2018.

6SOUZA, Gustavo Orsolon de. Rebeliões da Senzala: diálogos, memória e legado de um intelectual brasileiro. Seropédica, 2013. 143 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

7MESQUITA, Erika. Clovis Moura: uma visão crítica da história social brasileira. Campinas, 2002. 204 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.; FARIAS, Márcio. Clóvis Moura e o Brasil. São Paulo: Dandara Editora, 2019.

8Ver: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo: Expressão Popular, 2014; RODRIGUES, Jean Sales. Entre a revolução e a institucionalização: uma história do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). São Paulo: Edusp, 2020.

9OLIVEIRA, Dennis de. Uma análise marxista das relações raciais. In: MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita Garibald; Fundação Maurício Grabois, 2014, p. 22.

10VIEIRA, Cleber dos Santos. Clóvis Moura e a fundação do IBEA – Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas. Revista da ABPN, v. 9, n. 22, mar.-jun. 2017.

 

Referências bibliográficas

 

FARIAS, Márcio. Clóvis Moura e o Brasil. São Paulo: Editora Dandara, 2019.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo: Expressão Popular, 2014.

MALATIAN, Teresa. O cronista Sparkenbroke. In: MOURA, Clóvis. Memórias de Sparkenbroke: Fora do Tempo. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

MALATIAN, Teresa. Um jornalista combatente: Clóvis Moura e a política cultural do PCB (1951-1952). História, São Paulo, v. 37, 2018.

MESQUITA, Erika. Clovis Moura: uma visão crítica da história social brasileira. Campinas, 2002. 204 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Anita Garibald; Fundação Maurício Grabois, 2014.

OLIVEIRA, Dennis de. Uma análise marxista das relações raciais. In: MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita Garibald; Fundação Maurício Grabois, 2014.

OLIVEIRA, Fábio Nogueira de. Clóvis Moura e a sociologia da práxis negra. Niterói, 2009. 173 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Universidade Federal Fluminense.

RODRIGUES, Jean Sales. Entre a revolução e a institucionalização: uma história do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). São Paulo: Edusp, 2020.

SOUZA, Gustavo Orsolon de. Rebeliões da Senzala: diálogos, memória e legado de um intelectual brasileiro. Seropédica, 2013. 143 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

UNESP. Guia do Acervo CEDEM. São Paulo, 2018.

VIEIRA, Cleber dos Santos. Clóvis Moura e a fundação do IBEA – Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas. Revista da ABPN, v. 9, n. 22, mar.-jun. 2017.

 


Expediente

Comitê de Redação: Adriana Marinho, Vivian Ayres, Rosa Rosa Gomes.
Conselho Consultivo: Dálete Fernandes, Carlos Quadros, Gilda Walther de Almeida Prado, Daniel Ferraz, Felipe Lacerda, Fernando Ferreira, Lincoln Secco e Marcela Proença.
Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
Endereço: Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Sala H4. São Paulo/SP. CEP: 05508-000

Email: mariaantoniaedicoes@riseup.net