Ano 01 nº 38/ 2020: Luta Ideológica e Mobilização do Empresariado no Pré-Golpe de 1964: a ação editorial do IPÊS - Camila Djurovic

Boletim 38


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LUTA IDEOLÓGICA E MOBILIZAÇÃO DO EMPRESARIADO NO PRÉ-GOLPE DE 1964: A AÇÃO EDITORIAL DO IPÊS

 

Camila Alvarez Djurovic

Mestranda em História Econômica-USP

 

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Mabe Bethônico, 2019. Desenho em grafite e lápis de cor sobre papel canson (para o vídeo aula: Elite Mineral). Foto: Mabe Bethônico.


"Se você não abandona os seus negócios por uma hora hoje, amanhã não terá negócio algum para se preocupar." O lema ameaçador cunhado por Glycon de Paiva, vice-presidente do Instituto de Pesquisas e Estudo Sociais (IPÊS), resume a estratégia que reuniu e mobilizou a classe empresarial brasileira nos momentos anteriores ao golpe de 1964.

Fundado logo após a súbita renúncia do presidente Jânio Quadros por grupos de empresários e militares organizados entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o IPÊS se definia como uma entidade “sem fins lucrativos, de caráter filantrópico e intuitos educacionais e cívicos”, que se propunha a elaborar “soluções democráticas para os problemas do país". Professando um caráter técnico-empresarial supostamente neutro e apartidário, ele se apresentava publicamente como uma alternativa ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) – o centro governamental de pesquisas e projetos políticos ligados ao nacional-desenvolvimentismo que exercia um papel proeminente no debate político da época.

Em 1963, apenas um ano depois de sua fundação, o IPÊS já contava com cerca de 500 membros e havia expandido sua atuação pelo território nacional através de diversas filiais regionais. Também recebia contribuições financeiras de centenas de companhias, que eram repassadas aos caixas da entidade por intermédio de associações da classe empresarial como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e o Conselho Superior das Classes Produtoras (CONCLAP). Nas listas de financiadores do instituto figuravam empresas multinacionais dos mais diversos setores, que juntas representavam a principal força sócio-econômica atuante no país – um resultado palpável do processo de internacionalização e monopolização do mercado brasileiro iniciado no governo JK.

A pretexto da incompatibilidade entre os interesses da elite empresarial e a agenda nacional-reformista sustentada por João Goulart e seus aliados, o IPÊS desenvolveu nos bastidores uma verdadeira campanha ideológica, política e militar com o objetivo de desestabilizar o governo. Para realizar suas atividades encobertas, se uniu a outros grupos políticos da classe empresarial, sobretudo ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), uma organização abertamente anticomunista fundada em 1959. Assim, se no plano econômico o conjunto de agentes organizados em torno do IPÊS teve em comum a defesa de um projeto de desenvolvimento capitalista dependente e associado ao capital estrangeiro, no plano ideológico o anticomunismo se configurou como o principal elemento de unidade.

O complexo IPÊS/IBAD, tal como caracterizado por René Dreifuss em seu clássico estudo sobre o tema1, teria sido o responsável por encabeçar, no âmbito da sociedade civil, o movimento que resultou no golpe de 1964. Partindo dos pressupostos de Gramsci sobre as formas de organização do poder de classe, a análise de Dreifuss praticamente consolidou a abordagem do golpe de 1964 como resultado de um movimento "civil-militar". O binômio também passou a ser utilizado para caracterizar a própria ditadura, uma vez que no pós-64 membros daquela mesma elite empresarial ocuparam postos estratégicos no governo, sobretudo em ministérios e empresas estatais. Daí a noção de “conquista do Estado” que permeia a obra do historiador uruguaio.

As ações clandestinas realizadas pelo IPÊS para a tomada do poder foram organizadas internamente a partir de grupos de trabalho, cujas funções e colaboradores variaram ao longo do tempo. De modo geral, tais facções se ocuparam em financiar entidades contrárias ao governo Goulart, monitorar movimentos sociais populares, mobilizar o meio militar, financiar campanhas eleitorais de candidatos da oposição, realizar articulações políticas no Congresso Nacional e manipular a opinião pública através do controle da mídia audiovisual e impressa.

Diante desse amplo escopo de atuação do IPÊS, sempre permeado por um característico jogo entre o público e o clandestino, nos interessa aqui investigar mais de perto a ação conduzida pelo Grupo de Publicações/Editorial (GPE), um dos principais braços da campanha ideológica empreendida pelo instituto. Conduzido com a participação de importantes figuras do mundo literário, como José Rubem Fonseca e Rachel de Queiroz, o grupo foi responsável por editar e/ou distribuir pelo menos 130 publicações entre 1962 e 1966. Buscaremos mostrar adiante como esse conjunto bibliográfico desempenhou papel fundamental na divulgação das ideias da elite empresarial reunida pelo IPÊS. Mas antes de apresentar alguns levantamentos e, de forma breve, analisar quais foram as condições de produção e circulação dessas ideias, se fazem necessárias algumas considerações sobre o contexto no qual estavam inseridas.

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Estrutura funcional do IPÊS Guanabara em 1964. Fonte: INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS. Relatório de atividades, IPÊS/GB, s.d. Arquivo Nacional, Fundo IPÊS.

 

Paisagem editorial e "hegemonia cultural da esquerda" na década de 1960

 

Uma análise das edições promovidas pelo IPÊS parte inevitavelmente de um pressuposto derivado do célebre ensaio de Roberto Schwarz2: apesar da vitória do golpe de direita, a conjuntura de 1964 foi um momento privilegiado da produção cultural e intelectual da esquerda. Esse quadro foi resultado da progressiva disseminação do ideário esquerdista entre os movimentos populares, artísticos e intelectuais do país no intervalo democrático de 1945 a 1964.

No âmbito do mercado livreiro, se consolidou ao longo dessas duas décadas um grupo de editoras progressistas, cuja oferta de publicações visava atender a uma procura estabelecida pela formação política nos partidos, sindicatos, jornais, movimentos sociais, movimento estudantil etc. Muitas dessas iniciativas estavam ligadas de alguma forma ao PCB, que em seu breve período de legalidade logrou criar e apoiar diversos empreendimentos editoriais que conseguiram se manter a longo prazo, sendo o mais bem-sucedido deles a Editorial Vitória.

Apesar da grave crise econômica que o país atravessava no início do anos 60, algumas editoras conseguiram realizar empreendimentos voltados ao público progressista que, além de alcançarem um enorme sucesso de vendas, ocuparam lugar central no debate político da época. Talvez o mais emblemático deles seja a coleção Cadernos do povo brasileiro, idealizada por Ênio Silveira, que difundia o pensamento nacionalista da esquerda, e mais particularmente as teses dos intelectuais ligados ao ISEB. Estima-se que os 28 volumes dos Cadernos publicados pela Civilização Brasileira nos anos anteriores ao golpe tenham ultrapassado a marca de um milhão de exemplares – o que classificaria a coleção entre os maiores fenômenos editoriais do país no século XX3.

Essa paisagem cultural nos faz partir do entendimento de que o conjunto de publicações promovido pelo IPÊS não poderia ser fruto de uma demanda efetiva do público leitor brasileiro, que, como vimos, mostrava uma clara preferência pela produção disseminada através das editoras progressistas. Fadados ao fracasso comercial, os livros ligados ao campo político da direita só poderiam se viabilizar comercialmente e atingir as massas por meio de subsídios de entidades ou figuras politicamente interessadas em sua divulgação – daí seu caráter eminentemente propagandístico.

Pode-se até afirmar que a relevância intelectual do conjunto bibliográfico difundido pelo IPÊS foi praticamente nula diante do esforço de interpretação teórica e de formação política da esquerda no período e, consequentemente, de sua "relativa hegemonia cultural". Mas, apesar das diversas limitações, acreditamos que esses impressos desempenharam naquele contexto uma função social cujo valor histórico não pode ser imediatamente descartado por nós. Para além do conteúdo em si, um olhar para as estratégias de materialização e disseminação do pensamento ipesiano pode ensejar uma leitura mais abrangente sobre a luta ideológica do período.

 

O circuito editorial do IPÊS: visão geral

 

Desde o início, a publicação de impressos ocupou um lugar de destaque entre as atividades desenvolvidas pelo IPÊS. Os registros das movimentações financeiras do instituto mostram que em 1962 (no seu primeiro ano de atuação), os gastos com publicações representaram aproximadamente 26% das despesas totais4.

De lá até 1966, o instituto foi responsável por editar e/ou distribuir pelo menos 130 publicações, entre livros, folhetos, fascículos, revistas e boletins. Mas além de editar seus próprios impressos, o IPÊS também atuou como financiador e difusor de publicações editadas por terceiros. Para isso, estabeleceu convênios com ao menos 22 editoras, dentre elas Editora Abril, Distribuidora Record, Agir, Ipanema, Vozes, Edições GRD, Itatiaia, José Olympio, Saraiva, Companhia Editora Nacional, O Cruzeiro e Globo.

Embora seu nome não constasse nos créditos das publicações organizadas por tais editoras, era o IPÊS quem realizava a encomenda das obras compatíveis com seus interesses políticos e arcava com parte dos custos de produção. Podia, por exemplo, pagar os direitos autorais, a tradução, a impressão ou até mesmo garantir a compra de um determinado número exemplares.

Alguns números nos oferecem a dimensão deste circuito editorial. Entre 1962 e 1963, o instituto disseminou cerca de dois milhões e meio de impressos5. Apenas a sede do Rio de Janeiro editou e distribuiu nacionalmente, ao longo do ano de 1963, mais de 280.000 exemplares de livros e 36.000 exemplares de periódicos6. Algumas dessas publicações alcançaram tiragens excepcionais para a época. Por exemplo, um livro intitulado Nossos males e seus remédios (uma ardilosa crítica ao governo Goulart), que teve um milhão de exemplares distribuídos pelo instituto, ou um folheto sobre a Aliança para o Progresso, que chegou a dois milhões de exemplares em circulação.

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Para uma compreensão mais completa do significado desses números, é preciso levar em conta que em 1960 a parcela alfabetizada da população adulta brasileira girava em torno de 24 milhões de pessoas7. Assim, vemos que uma publicação que teve dois milhões de cópias distribuídas atingiu, em tese, ao menos 8,3% da população leitora do país – isso sem levar em consideração a circulação de um exemplar por mais de um leitor. Esses dados revelam um alcance expressivo o suficiente para afirmarmos que a atividade editorial do IPÊS impactou de alguma forma a sociedade brasileira da época.

Mas é preciso lembrar de qual sociedade estamos falando. Embora não seja possível determinar ao certo, podemos pressupor que as publicações do IPÊS tenham atingido sobretudo a elite e as classes médias, uma vez que as taxas de analfabetismo se concentravam normalmente entre a população mais pobre. Essa população, por sua vez, era alvo das ações de agitação e propaganda na televisão, cinema, e, principalmente, no rádio. Apesar disso, havia a preocupação por parte do instituto de promover publicações com uma linguagem acessível para o que chamava de “grande público”, ao qual eram direcionados os materiais de caráter propriamente propagandístico, isto é, aqueles nos quais as informações eram apresentadas de modo ainda mais distorcido e tendencioso. Paralelamente, havia também o esforço de buscar um público relativamente intelectualizado por meio de publicações que continham uma linguagem pseudo-técnica, que lhes conferia uma pretensa legitimidade e neutralidade política. Assim, eram variados os graus de sofisticação dos impressos disseminados pelo IPÊS, que iam desde panfletos sensacionalistas até livros de verniz mais acadêmico.

 

A direita em edição

 

Embora se autoproclamasse uma entidade apartidária, de objetivos estritamente educacionais e dirigida por empresários que supostamente não advogavam por nenhuma classe ou interesse privado, a ação do Grupo de Publicações/Editorial mostra que o IPÊS trabalhou intensamente em seus anos iniciais para desestabilizar o governo João Goulart. As publicações distribuídas nos anos anteriores ao golpe comprovam que o anticomunismo foi o cerne da campanha ideológica orquestrada pelo instituto.

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Temas das publicações editadas/distribuídas pelo GPE-IPÊS, 1962-1964 (quantidade)

 

Utilizando como estratégias a propaganda e a disseminação de notícias falsas, esses materiais tinham como objetivo convencer a opinião pública, e sobretudo as classes médias, da existência de uma infiltração comunista no Brasil, associando a imagem do presidente e de seus correligionários à “ameaça vermelha” que rondava o imaginário daquele mundo dividido pela Guerra Fria. Com efeito, o argumento de que havia uma radicalização do governo em direção a uma revolução comunista foi (e é até os dias de hoje) utilizado como justificativa para o golpe de Estado.

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Capas de publicações editadas/distribuídas pelo GPE-IPÊS sobre a infiltração comunista (1962-1964)

 

Mas a maior parte dos livros anticomunistas distribuídos pelo instituto eram, na realidade, traduções de títulos estrangeiros. Tais obras buscavam, por um lado, denunciar o imperialismo soviético e desqualificar as experiências comunistas no plano econômico-social e, por outro, enaltecer o sistema capitalista, a livre-iniciativa, a propriedade privada e os valores ocidentais cristãos. Há pontualmente nesse conjunto alguns títulos ficcionais, dentre os quais se destaca a primeira tradução brasileira de Animal Farm (A Revolução dos bichos), de George Orwell, realizada pelo IPÊS em parceria com a editora Globo de Porto Alegre.

Entre os impressos de autores brasileiros prevaleceram análises da conjuntura política do país e o tema das reformas de base, uma das discussões mais candentes do momento anterior ao golpe. Intelectuais orgânicos da classe empresarial, como Roberto Campos, Mario Simonsen e Octávio Bulhões, se debruçaram intensamente sobre essa questão, liderando estudos que resultavam em anteprojetos a serem apresentados ao Congresso por deputados ligados ao complexo IPÊS/IBAD.

As reformas liberais recomendadas pelos grupos de estudos do instituto também derivavam em diversas publicações, disseminadas a fim de mobilizar a opinião pública contra as propostas "comunizantes" do governo. Por outro lado, essas teses constituíam o lado propositivo e programático da atuação do IPÊS, e comprovam que a elite empresarial desenvolvia não apenas uma campanha estruturada para alcançar o poder, mas também um programa coerente e coeso de governo. Um dos maiores exemplos disso é que a Lei da Reforma Agrária (mais conhecida como Estatuto da Terra), aprovada em novembro de 1964, foi amplamente baseada nas recomendações feitas pela entidade.

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Capas de publicações editadas/distribuídas pelo GPE-IPÊS sobre as reformas de base (1962-1964)

 

Guerra cultural

 

Um dado ainda pouco estudado, mas fundamental para compreender a ação editorial do IPÊS e a quantidade de obras anticomunistas que colocou em circulação no pré-golpe, é o convênio estabelecido entre o instituto e a United States Information Agency (USIA), uma agência diplomática do Departamento de Estado dos EUA criada no âmbito da Guerra Fria.

Em 1953, a USIA lançou o Programa de Fomento ao Livro, um projeto que buscava estimular a produção editorial e a circulação de publicações nos países do chamado "terceiro mundo". Em linhas gerais, o programa disponibilizava às editoras locais uma lista de textos originais em língua inglesa, para os quais cedia gratuitamente os direitos autorais e a tradução, diminuindo assim os custos de produção do livro.

Há registros da atuação do Programa de Fomento ao Livro no Brasil de 1953 até 1973, duas décadas nas quais mais de sessenta editoras brasileiras se beneficiaram de seus incentivos8. Mas foi justamente nos anos 1960 que o programa atingiu suas maiores marcas no país, ampliando o número de editoras conveniadas e o volume de livros publicados. Embora os títulos disponibilizados pela USIA apresentassem temáticas muito variadas e as editoras tivessem autonomia para escolher aqueles que mais se encaixavam em seus catálogos, houve naquele período um crescimento considerável da oferta de títulos políticos, sobretudo daqueles de viés anticomunista.

A tendência pode ser creditada à intensificação da presença da agência estadunidense no Brasil diante do cenário de instabilidade política dos governos Jânio Quadros e Goulart. Em contrapartida, é possível que a crise do mercado livreiro decorrente daquela mesma situação política-econômica também tenha encorajado um número maior editores brasileiros a aderirem à parceria com a agência em busca de uma situação financeira mais vantajosa.

O convênio firmado especificamente entre o IPÊS e a USIA teve curta duração, sendo iniciado em 1962 e interrompido logo após o golpe de 1964. Nesse período, pelo menos 20 livros listados e subsidiados pela agência norte-americana foram distribuídos pelo GPE, sendo todos eles de viés anticomunista. Mas é possível que esse número tenha sido muito maior, pois tanto a USIA quanto o IPÊS tinham por praxe omitir seus nomes dos créditos das publicações, que eram lançadas como se fossem projetos exclusivamente idealizados e realizados pelas editoras. Essa estratégia de ação política clandestina dificultou por muito tempo a identificação da verdadeira rede de financiamento por trás das publicações do IPÊS, que só começou a ser desvelada recentemente por pesquisadores brasileiros através de incursões nos arquivos norte-americanos9.

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Capas de publicações financiadas pela USIA e distribuídas pelo GPE-IPÊS (1962-1964)

 

Ainda pouco conhecido na historiografia sobre o tema, o acordo entre o IPÊS e a USIA traz um novo significado para o conjunto bibliográfico produzido e distribuído pelo instituto em sua primeira fase de atuação. Em uma perspectiva mais geral, põe novamente em evidência a centralidade dos Estados Unidos nas articulações que antecederam o golpe brasileiro e mostra a relevância das políticas culturais para as estratégias geopolíticas das potências em disputa na Guerra Fria.

 

Economia do livro

 

Além do substancial auxílio proveniente do consulado estadunidense, a rede de produção e circulação de impressos do IPÊS foi incentivada e facilitada por alguns de seus membros que eram proprietários, diretores ou intimamente ligados a companhias editoras e outras empresas do ramo. Dessa forma, colocavam à disposição do Grupo de Publicações sua infraestrutura comercial e técnica, equipamentos e mão-de-obra.

Entre os sócios-fundadores e associados do instituto estavam empresários como Israel Klabin, do setor de papel e celulose, Cândido Guinle, da Editora Agir, Décio Guimarães, da Distribuidora Record, e Gilbert Huber Jr., dono de um dos maiores grupos editorial-gráficos do país. Outros empresários do ramo não formalmente afiliados, mas simpatizantes do projeto ipesiano, também colaboraram oferecendo serviços gratuitos ou subsidiados de suas companhias. Esse foi o caso de Octalles Marcondes Ferreira, da Companhia Editora Nacional, Assis Chateaubriand, do grupo Diários Associados, e Victor Civita, da Editora Abril.

Isso significa que um número considerável de empresários alinhados aos propósitos políticos do IPÊS possuíam um elevado grau de concentração de capital em setores diversos da cadeia produtiva do livro, abarcando desde indústrias papeleiras e parques gráficos até editoras, distribuidoras, livrarias etc. Assim, os elementos que condicionaram a organização da campanha ideológica promovida pelo instituto mostram que a difusão maciça de seus impressos (bem como das propagandas de rádio, TV, cinema etc.) aconteceu graças a uma avançada infraestrutura intelectual10 à sua disposição.

O compartilhamento em rede desse "arsenal" bastou para que organizações de direita como o IPÊS pudessem fazer circular suas ideias independentemente da demanda efetiva do público. Em nosso entendimento, esse elemento foi um fator decisivo para que o instituto, através do projeto editorial em questão, lograsse ampliar o raio de alcance das ideias cultivadas entre as elites políticas, empresariais e militares e expandi-las para o conjunto das camadas médias conservadoras, de modo a preparar o ambiente político para o golpe e, posteriormente, amparar o processo de consolidação do regime autoritário.

 

1 DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.

2 SCHWARZ, R. Cultura e Política, 1964-1969. In: Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra. 3ª ed., 2009.

3 LOVATTO, A. Os Cadernos do povo brasileiro e o debate nacionalista nos anos 1960: um projeto de revolução brasileira. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 93.

4 GONÇALVES, M. S. Páginas golpistas: democracia e anticomunismo através do projeto editorial do IPÊS (1961-1964). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p. 43.

5 INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS. Atividades do IPÊS, 06 jun. 1963.

6 INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS. Boletim Mensal do IPÊS, nº18, ano III, jan. 1964, p.2.

7 Segundo dados do INEP e do IBGE compilados por Angélica Lovatto (LOVATTO, 2010, p. 53).

8 OLIVEIRA, Laura de. Guerra fria e política editorial: a trajetória das Edições GRD e a campanha anticomunista dos Estados Unidos no Brasil (1956-1968). Maringá: Eduem, 2015, p. 130.

9 Sobretudo a partir do trabalho realizado pela historiadora Laura de Oliveira (OLIVEIRA, 2015).

10 SECCO, L. A batalha dos livros: formação da esquerda no Brasil. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2017.

 


Expediente

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