Ano 01 nº 47/ 2020: Octávio Brandão, Testemunho de uma Época - Felipe Lacerda


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OCTÁVIO BRANDÃO, TESTEMUNHO DE UMA ÉPOCA

 

Felipe Castilho de Lacerda

Doutorando em História Econômica - USP

 

Colagem por Canellas

 

O interesse no pensamento e ação dos comunistas brasileiros nas décadas iniciais do então chamado Partido Comunista do Brasil (PCB), anos 1920 e 1930, parece ganhar um novo fôlego na última década. Os motivos, como sempre na história, devem ser diversos. Dentre esses estudos, podem-se encontrar aqueles dedicados a Octávio Brandão (1896-1980). No dia 12 de setembro de 2020 completaram-se, aliás, 124 anos de seu nascimento.

A atenção dirigida a Octávio Brandão recai, acima de tudo, sobre a obra Agrarismo e Industrialismo: Ensaio Marxista Leninista sobre a Revolta de São Paulo e a Guerra de Classes no Brasil, reconhecida como primeira “tentativa” de interpretação da realidade brasileira a partir do marxismo. Tentativa, pois, por muito tempo, a obra foi conhecida nos meios comunistas apenas de maneira anedótica e julgada a partir de seu formalismo e esquematismo. Quando, no início dos anos 1930, Maria Pedrosa e Lívio Xavier escreveram um ensaio de interpretação da história brasileira, trataram a obra anterior de Octávio Brandão por uma monstruosidade. Leandro Konder, já nos anos 1980, chamaria as ideias do militante de um mal-entendido.

No entanto, quer se concorde, quer se discorde de suas ideias, a obra de Octávio Brandão consiste em um privilegiado testemunho de uma época. Partindo de um leque amplo de referências e experiências, Octávio Brandão parece ter enxergado um aspecto de longa duração na política brasileira: a ação das classes médias. Daí, ter elaborado uma interpretação muito própria do conceito marxista da revolução democrático-burguesa. No vocabulário do recém-tornado comunista, apareceria a “revolução democrática pequeno-burguesa”. Tratava-se de dar um sentido histórico para as ações dos segmentos intermediários da população urbana, não somente, mas sobretudo no eixo Rio-São Paulo.

Como apontariam Fernando Sarti Ferreira e Lincoln Secco, em um esforço de levantar elementos recalcitrantes da política brasileira pelo método do comparatismo, “estaríamos no terreno da comparação ou da longa duração braudeliana em que certas realidades se modificam com uma lentidão mais do que secular?” Para, em seguida, afirmar: “A verdade é que a classe média se move como um pêndulo, oscilando entre as representações políticas das populações superexploradas do nosso país e o projeto de modernização conservadora das classes dominantes”1.

Mas, por que as classes médias teriam uma tal importância na política brasileira? Uma hipótese é a de que, assumindo como frutífera a interpretação do “sentido da colonização” de Caio Prado Júnior, as elites portuguesas e, mais tarde, brasileiras, jamais teriam formado propriamente uma “burguesia nacional”, pois a raison d’être do Estado colonial sempre foi a de extrair recursos e explorar a mão-de-obra, escrava ou assalariada, para que a realização de seus frutos – a mais-valia – se realizasse na metrópole europeia.

Múltiplas interpretações sobre a ação – no passado e no presente – dos estamentos intermediários de uma nação periférica devem ser possíveis. De toda forma, Octávio Brandão, e muitas outras e outros militantes, podem servir de pistas para a reconstrução dessa história.

1 Publicado originalmente em Fernando Sarti Ferreira & Lincoln Secco, “Um Novo Tenentismo?”, Brasileiros, São Paulo, p. 40 - 42, 21 ago. 2016. Atualmente, disponível em https://artebrasileiros.com.br/brasil/um-novo-tenentismo/. Acesso em 8 set. 2020.

 


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