Ano 01 nº 25/ 2020: A Atuação Cultural do PCB no Período de Legalidade em Porto Alegre - Andréia Duprat; Coluna Socialista de G. Galvão

Boletim 25


Coluna socialista...

"Tem três coisas que me incomodam: 1) o surto não construtivo, tipo ir no grupo de whatsapp só pra gritar e falar 'ai meu deus'; 2) as saídas individuais e impetuosas, 'vamos/vou fazer isso porque a gente está fudido mesmo'; 3) e as análises mais simplistas, que não permitem vermos solução, 'governo Bolsonaro é mimado e faz o que der na telha'".

G. Galvão


Mundo acadêmico ...

 

A ATUAÇÃO CULTURAL DO PCB NO PERÍODO DE LEGALIDADE EM PORTO LEGRE (1945-1947)

 

Andréia Carolina Duarte Duprat

Técnica da UFCSPA e doutoranda em Artes Visuais - UFRGS

 

Para se filiar ao PCB, era necessário aceitar as condições descritas em seu Estatuto de 1945, ser convidado por alguém que militasse há mais de um ano e pronunciar um juramento de lealdade que destacava a luta pela democracia e pela paz, a construção do socialismo e busca da derrota do fascismo. A vida pública e privada do filiado deveria ser regrada pelos princípios partidários. De fato, o PCB funcionava de forma tal que as inúmeras tarefas propostas envolviam de maneira intensa seus integrantes. Precisava-se estudar a teoria, debater estratégias de ação, propagandear os preceitos e os eventos, atuar na formação de quadros e da conscientização das massas. A estrutura hierárquica da organização facilitava o controle da conduta dos comunistas e seguia a linha do Partido Comunista União Soviética (PCUS).

No Rio Grande do Sul, alguns intelectuais filiados eram Dyonélio Machado, Cyro Martins, Laci Osório, Beatriz Bandeira, Edith Hervé, Lila Ripoll e Plínio Cabral. O público podia encontrar os textos dos militantes na Revista do Globo, dirigida, naquele momento, por Justino Martins, o que facilitava o acesso à publicação aos seus camaradas. Outra importante instância de legitimação para os literatos foi a revista Província de São Pedro, fundada em 1945, apesar de ter um grupo mais intelectualizado (RAMOS, 2016). O conteúdo da Província consistia de contos, poesias e ensaios de temas diversos como, por exemplo, o regionalismo. Lila Ripoll, Cyro Martins, Beatriz Bandeira e Dyonélio Machado eram colaboradores da publicação. Verifica-se a presença de escritores comunistas até 1947, quando o PCB entrou na ilegalidade novamente.

A revista cultural Libertação, fundada por Décio Freitas, passou a circular em 14 de abril de 1945, dirigida por Alfredo Antônio Gerhardt e Sibilis da Rocha Viana. Vinculada ao Comitê Municipal de Porto Alegre, o lema da publicação era “Democratização, Progresso, pela Organização Unitária do Povo” (MARTINS, 2012). Os colaboradores e os leitores pertenciam à parcela intelectualizada da esquerda. Os temas dos escritos privilegiavam o partido e figuras ligadas a ele, destacando-se Luiz Carlos Prestes.

libertacao1

Página 4 de “Libertação”, n. 11, 23 jun. 1945

 

libertacao2

Libertação”, n. 38, 9 fev. 1946

 

Os intelectuais se originavam, em sua maioria, da pequena burguesia; por conseguinte, despertavam desconfiança porque não pertenciam à classe revolucionária, o proletariado. Assim, deveriam demonstrar sua firmeza ideológica, seu comprometimento e sua lealdade partidários. Martins (2012) destaca textos da Libertação que justificam a presença desses pequenos burgueses, colocados na posição de amigos ao empregarem seu saber nas causas dos trabalhadores, tornando-se merecedores de ocupar posições na hierarquia do partido.

A preferência pela política persistiu no sucessor da Libertação, o jornal Tribuna Gaúcha, dirigido por Otto Alcides Ohlweiller. Participaram do periódico militantes mulheres que se sobressaíam em várias iniciativas do partido – Edith Hervé, Lila Ripoll, Beatriz Bandeira e Eunídia dos Santos. O projeto do jornal tinha uma tiragem diária e ampla, diversidade de temas e de natureza das notícias, o que pode ser verificado nos exemplares dos primeiros anos (1947 a 1949). O jornal, claro, colaborou na realização de tarefas do partido; uma delas foi a busca de figuras do passado que se notabilizaram pela defesa dos desfavorecidos, como o poeta abolicionista Castro Alves. A intenção era colocar os comunistas na posição de herdeiros de sua luta. No centenário de nascimento, em 11 de março de 1947, o poeta recebeu homenagens na página 8 da Tribuna Gaúcha que o exaltava pelo seu ímpeto combativo e por ser um representante do desejo de libertação do povo. Há de se atentar que se tratava de um escritor, ou seja, ia ao encontro da ideia do intelectual e sua missão social.

A atuação cultural do PCB não se limitava aos impressos. Na Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos, estabeleceu-se, em 20 de maio de 1945, o Clube de Cultura Popular Euclides da Cunha, que promovia atividades variadas de educação, cultura e entretenimento e até de assistência médica. A equipe da entidade apresentava os seguintes nomes: Jorge Bahlis, Homero de Castro Jobim, Manoel Castilhos, Jorge Muller Mendes, Gilda Marinho, entre outros. Em 1945, há registro de 45 conferências oferecidas, algumas ministradas pelos escritores Cyro Martins, Jorge Amado, Dyonélio Machado e Álvaro Moreyra. A professora, musicista e poetisa Beatriz Bandeira organizava apresentações de música e de teatro do projeto Horas de Arte. O espaço do clube era cedido para eventos da Juventude Comunista. Durante a fase de legalidade, o PCB gaúcho manteve dois programas de rádio, a Hora do Partido Comunista do Brasil e o Programa Político do Comitê Municipal, nas emissoras Rádio Difusora e Rádio Cruzeiro, respectivamente.

horizonte

Revista “Horizonte”, n. 4, Nova Fase, abr 1951, ilustração de Vasco Prado

Após a cassação do registro do partido em 1947, o PCB manteve expressivas iniciativas culturais na capital sul-riograndense, a exemplo da revista Horizonte (1949-1956) e do Clube de Gravura de Porto Alegre (1950-1956). O jornal Tribuna Gaúcha foi substituído pela A Tribuna. Entre as figuras notáveis que atuaram nessas instâncias, destacam-se Lila Ripoll, Cyro Martins – ambos diretores da revista – e os artistas Carlos Scliar, Vasco Prado, Danúbio Gonçalves, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues. São personagens que dão seguimento a essa história, mesmo findo o período de legalidade e com todos os desafios impostos pela perseguição política.

tribuna

Capa do jornal “A Tribuna”, n. 310, ano II, 14 set. 1950

 

Referências Bibliográficas

DUPRAT, Andréia Carolina Duarte. Clube de Gravura de Porto alegre e Revista Horizonte (1949-1956): arte e projeto político. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais). PPG em Artes Visuais, UFRGS, Porto Alegre, 2017.

MARTINS, Marisângela T. A. De volta para o presente: uma história dos militantes comunistas de Porto Alegre e suas representações acerca da democracia (1945-1947). Dissertação (Mestrado em História). PPG em História, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

MARTINS, Marisângela T. A. À esquerda de seu tempo: escritores e o Partido Comunista do Brasil (Porto Alegre - 1927-1957). 2012. 340f. Tese (Doutorado em História). PPG em História, UFRGS, Porto Alegre, 2012.

RAMOS, Paula. A modernidade impressa – artistas ilustradores da Livraria do Globo – Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016.

 


Expediente

Comitê de Redação: Adriana Marinho, Vivian Ayres, Rosa Rosa Gomes.
Conselho Consultivo: Dálete Fernandes, Carlos Quadros, Gilda Walther de Almeida Prado, Daniel Ferraz, Felipe Lacerda, Fernando Ferreira, Lincoln Secco e Marcela Proença.
Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
Endereço: Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Sala H4. São Paulo/SP. CEP: 05508-000

Email: mariaantoniaedicoes@riseup.net