Ano 6 nº 12/2025: Mundo acadêmico - 80 Anos do Fim do Estado Novo - Luan Dalvino

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Mundo acadêmico... 

 

80 ANOS DO FIM DO ESTADO NOVO: O BRASIL EM DISPUTA

 

Luan Dalvino

Graduando em História - USP

 

Angela Gomes

Palestra de Angela Maria de Castro Gomes (UFF) no último dia do Simpósio.

 

Entre os dias 20 e 23 de outubro, a Biblioteca Guita e José Mindlin-USP recebeu o simpósio “80 anos do fim do Estado Novo: o Brasil em disputa”, organizado pelo Grupo de Estudos de História e Economia Política (GMARX-USP). O encontro reuniu pesquisadoras e pesquisadores de diferentes instituições e gerações, que se debruçaram sobre as dimensões políticas, sociais, culturais e econômicas da experiência estadonovista, bem como sobre seus legados para o Brasil contemporâneo. Valendo-se dessa efeméride, ao longo dos quatro dias, as mesas procuraram explorar não apenas os acontecimentos que marcaram o fim do regime em 1945, mas também as disputas de projeto que atravessam o Estado brasileiro desde então.

O Estado Novo (1937-1945) não foi apenas um interregno autoritário na história brasileira, mas um verdadeiro campo de forças em disputa, onde se gestaram os fundamentos do Brasil moderno e se travaram conflitos decisivos sobre os rumos da nação. Sob a fachada unitária do regime, tensionavam projetos antagônicos: a construção de um Estado nacional centralizado e intervencionista contra as resistências oligárquicas regionais; a promessa de integração social via direitos trabalhistas frente a uma realidade de controle estatal e repressão sindical; um nacionalismo desenvolvimentista que, ao mesmo tempo, aprofundava a dependência econômica e a alinhamento geopolítico com as potências capitalistas. Compreender o período, portanto, exige analisá-lo não como um bloco monolítico, mas como uma experiência complexa e contraditória, cujas tensões constitutivas – entre autoritarismo e modernização, entre inclusão controlada e exclusão violenta – continuam a ecoar e a modelar os dilemas políticos do Brasil contemporâneo.

A mesa de abertura do simpósio, intitulada “Reformas e contrarreformas: o Estado brasileiro em disputa”, foi mediada por Rosa Rosa Gomes (USP) e reuniu Maria Victoria Benevides (USP) e Gilberto Bercovici (USP) para discutir os sentidos políticos, institucionais e econômicos do fim do Estado Novo, relacionando aquele período às disputas contemporâneas em torno da democracia, do desenvolvimento e da soberania nacional. O debate destacou que, apesar de seu caráter ditatorial, o Estado Novo lançou as bases de um Estado centralizado, interventor e planejador, que buscou submeter as antigas oligarquias regionais a um novo arranjo institucional e de instituir formas mais centralizadas de decisão política. Esse novo modelo também se expressou na atuação direta do Estado como agente econômico, assumindo responsabilidades que iam do planejamento à criação de empresas estatais estratégicas.

Ao abordar o imediato pós-1945, enfatizou-se que a chamada “União Nacional” esteve longe de representar pacificação. O período foi marcado por repressão ao movimento operário e aos comunistas, ao mesmo tempo em que se aprofundava uma política econômica favorável ao capital industrial e internacional. Nesse sentido, segundo Benevides, o governo Dutra realizou “os melhores desejos da burguesia industrial”, ao elevar a exploração do trabalho e redirecionar recursos para a indústria. Nesse contexto, também se destacou a criação da Escola Superior de Guerra como símbolo da crescente influência de uma ala militar alinhada aos Estados Unidos.

No plano político, ganhou relevo a polarização entre Getulismo e Anti-Getulismo, que estruturou a vida política nacional durante décadas. Enquanto o primeiro se associava ao nacional-desenvolvimentismo e ao reconhecimento do papel da classe trabalhadora, o segundo esteve ligado a um liberalismo dependente e excludente, caracterizado, nas palavras de Benevides, como um liberalismo “sem densidade democrática, sem povo”. Essa tensão de fundo ajuda a compreender tanto as sucessivas crises políticas do período democrático quanto a radicalização que culminou no golpe de 1964, interpretado como o encerramento de um ciclo de reformas sociais e econômicas iniciado no varguismo e retomado nos anos 1960.

A discussão avançou também sobre a forma jurídica do regime, destacando que a Constituição de 1937 – fortemente inspirada por cartas autoritárias como a da Polônia e do Estado Novo Português – funcionou muito mais como símbolo do que como norma efetiva: na prática, consolidou-se, segundo Bercovici, uma “ditadura pura e simples” centrada no Executivo, sem que nem mesmo o plebiscito previsto para 1942 fosse sequer realizado. A estrutura autoritária encontrou respaldo teórico em juristas como Oliveira Viana, que criticavam o liberalismo e defendiam modelos corporativos de organização social, apresentados como mais adequados à formação histórica brasileira.

No campo administrativo, foi ressaltada a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) como um marco da profissionalização da burocracia estatal, responsável pela institucionalização de concursos, carreiras públicas e critérios técnicos de gestão. Na mesma toada, no plano econômico, o Estado assumiu o protagonismo  na criação de empresas estatais  em setores estratégicos da economia, como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobrás. Nesse sentido, o Estado não apenas regulava, mas muitas vezes criava mercados.

Por fim, a mesa destacou o caráter profundamente contraditório do Estado forjado naquele período: moderno e ousado em áreas estratégicas, mas limitado e conservador em questões sociais; poderoso na constituição de grandes estruturas econômicas, mas frequentemente frágil diante de interesses privados consolidados. Bercovici sintetizou essa ambiguidade ao afirmar que se tratou de um Estado que se imaginava capaz de concluir o projeto de formação nacional, mas que carregava, em sua própria estrutura, os entraves que dificultam sua plena realização.

A segunda mesa do simpósio, “Integração nacional e povo brasileiro”, mediada por Lincoln Secco (USP), reuniu Fabiana Marchetti (UNESP), Adriana Salay (USP) e Gilberto Maringoni (UFABC) em torno de um problema central da história brasileira: como se deu, ao longo do século XX, a integração do território e da população ao Estado nacional — e, sobretudo, quem ficou de fora desse processo. O debate evidenciou que a expansão territorial, a modernização administrativa e o desenvolvimento econômico não foram acompanhados por uma incorporação política e social efetiva das camadas populares, resultando na construção de uma nação profundamente desigual.

Um dos eixos centrais foi a questão indígena, situada como elemento estruturante dos projetos de integração territorial do Estado Novo. Destacou-se que a chamada “Marcha para o Oeste” não foi apenas uma política de ocupação do interior, mas parte de um projeto mais amplo de construção simbólica e material do Estado nacional. Nessa construção, difundiu-se o mito bandeirante como narrativa legitimadora da expansão sobre os territórios indígenas, apresentando a incorporação dessas populações como um processo pacífico e civilizatório.

Conforme Marchetti, as políticas indigenistas basearam-se em uma lógica de tutela, exercida por órgãos como o Serviço de Proteção ao Índio e o Conselho Nacional de Proteção ao Índio, presidido à época por Cândido Rondon. Embora o discurso oficial valorizasse aspectos culturais dos povos originários, o objetivo prático era transformá-los em trabalhadores nacionais, subordinando-os à lógica do Estado e da expansão capitalista. Por isso teve destaque o contraste entre o discurso integrador e a realidade material: a redução territorial imposta aos indígenas produziu deslocamentos, destruição de modos de vida e, em muitos casos, a fome.

Nessa tônica, Salay abordou a fome como problema político e social, rompendo com explicações raciais ou naturalizantes que por décadas dominaram o debate público. A partir da obra de Josué de Castro, ela discutiu a distinção entre fome epidêmica — associada a crises agudas, como as secas — e fome endêmica, marcada pela subnutrição cotidiana da população pobre. Dados de pesquisas realizadas nos anos 1930 revelaram que famílias operárias consumiam menos da metade das calorias necessárias para uma vida saudável, evidenciando que a fome era produto direto das desigualdades sociais.

A incorporação da questão alimentar ao projeto desenvolvimentista deu origem a medidas como o salário mínimo, o Serviço Central de Alimentação e a Comissão Nacional de Alimentação. No entanto, foi destacado que essas políticas tinham alcance restrito, voltadas sobretudo aos trabalhadores com carteira assinada, o que manteve a maioria da população pobre — especialmente no campo — à margem da proteção estatal.

O debate avançou ainda sobre o papel do Estado Novo na construção do Estado nacional autoritário e desenvolvimentista. Maringoni destacou que medidas como a estatização do subsolo, a criação do Ministério do Trabalho e a realização do primeiro censo moderno, em 1940, expressaram a tentativa de organizar a população, o território e a economia a partir de uma racionalidade estatal inédita até então.

Um dos aspectos mais complexos abordados foi a relação entre trabalho e cidadania. A Consolidação das Leis do Trabalho foi apresentada como uma inovação decisiva, ao elevar o trabalhador à condição de sujeito de direitos em uma sociedade historicamente marcada pela escravidão. Ao mesmo tempo, ressaltou-se o caráter ambíguo desse processo: a ampliação de direitos ocorreu sob um regime autoritário, apoiado na censura, na repressão e no controle político.

A terceira mesa do simpósio, “Transição popular versus transição pactuada”, contou com a mediação de Hastha Bernardo (USP) e reuniu Guillaume Saes (USP), David Ricardo (USP) e Fernando Sarti Ferreira (UNICAMP), para discutir a forma como se deu o fim do Estado Novo, contrapondo projetos de democratização impulsionados pelas classes populares às soluções políticas negociadas “pelo alto”. O debate evidenciou que a reabertura política de 1945 não representou uma ruptura estrutural com o autoritarismo anterior, mas uma reorganização controlada, marcada pela permanência de práticas repressivas, pela limitação da participação popular e pela recomposição das elites no comando do Estado.

Um dos eixos centrais foi a análise do papel histórico das Forças Armadas no processo de industrialização e de construção do Estado nacional. Destacou-se que, desde o final do século XIX, parte da oficialidade militar vinculava soberania nacional, indústria e modernização, propondo um projeto desenvolvimentista que encontrou sua realização plena durante o Estado Novo. Nesse sentido, a ditadura instaurada em 1937 foi apresentada por Saes como o desfecho da Revolução de 1930 e como a forma política que permitiu a implantação de um projeto de industrialização acelerada, apoiado na instalação de indústrias de base e na atuação direta do Estado.

O regime foi caracterizado por Saes como uma ditadura civil-militar: embora chefiado por um presidente civil, sustentava-se no poder das Forças Armadas, especialmente da alta oficialidade do Exército. Ao mesmo tempo, não se tratava para ele de um regime fascista clássico, uma vez que dispensou um partido único de massas e chegou a entrar em conflito com o integralismo. Nesse sentido a retórica anticomunista foi apresentada como cortina de fumaça para um golpe que teve, na prática, um forte conteúdo antioligárquico, impedindo o retorno da elite paulista ao poder por via eleitoral. A própria derrubada de Vargas, em outubro de 1945, foi descrita por Saes como uma “solução feita pelo alto”, conduzida pelos mesmos generais que haviam sustentado o regime.

No campo historiográfico, a mesa questionou a leitura tradicional da “transição pactuada”, consolidada por autores como Weffort (em 1972) e reforçada por Maria Campelo de Souza e Luiz Werneck Viana (em 1976), segundo a qual a democratização teria sido um processo restrito às disputas entre elites, com as massas populares atuando como figurantes. Em contraposição, Ricardo apresentou a emergência de um projeto alternativo de democratização, articulado principalmente pelo Partido Comunista do Brasil. Longe de uma postura passiva ou submissa ao governo, o PCB defendia desde 1943 uma democratização substantiva, que incluísse transformações sociais e econômicas, e não apenas a restauração formal das instituições. Entre suas bandeiras estavam a convocação antecipada de uma Assembleia Constituinte e a ampliação dos direitos políticos e trabalhistas.

A mobilização popular ganhou expressão concreta por meio da criação de centenas de comitês democráticos em todo o país, que organizavam debates, manifestações e campanhas por uma democracia mais ampla. Essa pressão, somada ao temor das elites diante de uma possível continuidade de Vargas no poder, contribuiu diretamente para a intervenção militar que encerrou o regime.

Outro ponto fundamental da mesa foi a reavaliação do papel do movimento operário no processo de transição. A partir de documentação do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Ferreira contestou a ideia de que 1945 teria sido um ano de passividade nas fábricas e nos portos. Ao contrário: apenas no estado de São Paulo, entre janeiro de 1945 e março de 1946, foram registradas mais de seiscentas greves, envolvendo mais de quatrocentos mil trabalhadores. O ciclo de paralisações começou ainda em 1944, intensificou-se em maio de 1945 — com destaque para ferroviários e estivadores — e revelou uma classe trabalhadora ativa, consciente e disposta a enfrentar patrões e autoridades.

Essas mobilizações articularam reivindicações salariais, combate à carestia e defesa das liberdades políticas. Em resposta, o Estado lançou mão da censura, da repressão e da ocupação de redações de jornais para silenciar o tema das greves. Ainda assim, a pressão popular resultou em aumentos salariais e expôs a incapacidade das elites de conter, apenas pela força, as demandas por participação política. Os dados apresentados também revelaram a presença significativa de mulheres e trabalhadores negros nas greves, bem como a centralidade dos bairros periféricos e suburbanos como espaços de organização e resistência.

A mesa concluiu que a democracia instaurada após 1945 nasceu sob fortes limitações estruturais. Apesar da intensa mobilização popular, a transição foi resolvida por pactos conservadores que mantiveram o controle pelas classes dominantes e bloquearam reformas profundas. A repressão ao PCB e aos sindicatos em 1947 foi apresentada como a evidência de que a abertura política tinha limites estreitos desde sua origem — limites que ajudariam a explicar as crises posteriores e, em última instância, o golpe de 1964.

A quarta mesa, “Economia Política do Estado Novo”, foi mediada por Adriana Marinho (USP) e reuniu Alexandre de Freitas Barbosa (IEB), Francisco Luiz Corsi (UNESP), Vânia Maria Losada Moreira (UFRRJ), para discutir as bases estruturais do projeto econômico varguista e seu impacto de longa duração sobre o desenvolvimento brasileiro. As exposições convergiram para a interpretação do Estado Novo como uma ditadura modernizadora que reconfigurou profundamente as relações entre Estado, economia e sociedade. Longe de ser apenas um regime de exceção, o período foi apresentado como um momento de consolidação de um Estado interventor e planejador, que rompeu — ainda que parcialmente — com a lógica econômico-política da Primeira República.

Segundo Barbosa, entre os anos 1930 e 1945, formou-se a “ossatura material” de um “Brasil desenvolvimentista”, processo que incluiu a centralização das decisões econômicas, a criação de uma burocracia técnica capaz de formular políticas públicas e a institucionalização de direitos trabalhistas. Nesse contexto, um exemplo chave é o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) composto por muitos técnicos que eram servidores públicos concursados pelo DASP. Os “boêmios cívicos”, na expressão de Barbosa, — que contava com figuras como Rômulo Almeida e Jesus Soares Pereira — são considerados “intelectuais orgânicos do Estado”, que, a partir do Estado, criaram as bases para o desenvolvimento do capitalismo.

Outro ponto enfatizado foi o entrelaçamento entre projeto desenvolvimentista e ideologia política. O discurso de segurança nacional, a retórica anticomunista e o fortalecimento das Forças Armadas como agentes técnicos e administrativos legitimaram a centralização autoritária e a repressão a dissensos. A mesa mostrou como essa fusão entre tecnocracia estatal e aparato militar moldou um padrão específico de autoritarismo desenvolvimentista, cujos efeitos ultrapassaram o fim do Estado Novo, influenciando o período pós-1945 e a própria experiência desenvolvimentista de 1946 a 1964.

A mesa de encerramento do evento, intitulada “Propaganda, cultura e educação no Estado Novo”, foi mediada por Fernando Sarti Ferreira (UNICAMP) e contou com a fala principal de Ângela Maria de Castro Gomes (UFF) e comentários de Fernando Teixeira da Silva (UNICAMP). Nela foi destacado como o regime construiu um vasto aparato simbólico voltado à formação política da população, com atenção especial às crianças e aos jovens. A discussão evidenciou que, ao lado da repressão, o Estado Novo investiu intensamente na produção de consenso, mobilizando livros didáticos, biografias, revistas ilustradas, exposições, cinema, rádio e impressos educativos como instrumentos de conformação de uma identidade nacional alinhada ao projeto autoritário. Um dos eixos centrais do debate foi a análise de publicações voltadas ao público infantil, como Getúlio Vargas para Crianças e outros títulos que integravam uma verdadeira “pedagogia política”, voltada à construção da imagem do chefe de Estado como herói, pai da nação e figura moral exemplar.

A apresentação mostrou que essas obras combinavam elementos da hagiografia religiosa com formas modernas de escrita biográfica, produzindo uma narrativa na qual Vargas surgia como homem simples, trabalhador incansável e líder natural da nação. Essa construção simbólica buscava não apenas legitimar o regime, mas moldar subjetividades desde a infância, apresentando a política como campo sacralizado e a autoridade como figura paternal. O uso intenso de imagens, narrativas lineares e linguagem emocional reforçava a naturalização do poder, transformando decisões políticas em virtudes pessoais e conflitos sociais em obstáculos heroicamente superados.

Outro aspecto relevante abordado foi a política cultural externa do regime, especialmente por meio da diplomacia cultural nos Estados Unidos. A circulação internacional de livros, álbuns ilustrados e materiais publicitários sobre o café e sobre a cultura brasileira foi analisada como parte de uma estratégia mais ampla de construção da imagem do Brasil como país moderno, exótico e economicamente promissor. A centralidade do café como símbolo nacional revelou tanto o esforço de projetar uma ideia positiva do Brasil no exterior quanto às tensões internas entre o projeto nacional centralizador e as elites regionais, particularmente paulistas.

Por fim, Gomes destacou que o estudo desses materiais não pode ser reduzido à noção de propaganda como simples manipulação ideológica. Ao contrário, tais produções devem ser compreendidas como formas complexas de mediação cultural, nas quais intelectuais, artistas, editores e burocratas negociaram sentidos sobre nação, cidadania e modernidade. Ao abordar as condições de produção dessas fontes e o papel dos intermediários culturais, o debate reafirmou a importância da história cultural e da história intelectual para compreender os mecanismos de legitimação do autoritarismo e suas permanências no Brasil contemporâneo.

Ao revisitar os 80 anos do fim do Estado Novo, o simpósio reafirmou que aquele foi um período matricial, cujas disputas fundamentais – pela forma do Estado, pelo modelo de desenvolvimento, pelo sentido da nação e pelos limites da cidadania – permanecem irresolutas e ativas. Os trabalhos apresentados, ao percorrer dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, ofereceram contribuições significativas para desnaturalizar leituras consagradas e avançar na compreensão desse legado complexo. Aprofundou-se a crítica à ideia de uma “transição pactuada” em 1945, revelando a intensa mobilização popular sufocada por acordos elitistas; desvendou-se o caráter seletivo e excludente do projeto de “integração nacional”; e complexificou-se a análise do desenvolvimentismo, mostrando seu entrelaçamento com a tecnocracia, o autoritarismo e a repressão. Ao iluminar as permanências e rupturas, as conquistas e os custos sociais daquele projeto de país, o evento demonstrou que estudar o Estado Novo é, em última instância, debater as encruzilhadas do presente. As reflexões propostas nas cinco mesas não apenas enriqueceram o conhecimento histórico sobre o período, mas forneceram instrumentos críticos essenciais para interpretar os impasses atuais da democracia, da desigualdade e do desenvolvimento no Brasil, reafirmando a vitalidade da pesquisa histórica para o exame de um passado que segue muito presente.