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A ECONOMIA DA DITADURA MILITAR NO BRASIL (1964–1990): UMA ABORDAGEM PEDAGÓGICA, DE WILSON DO NASCIMENTO BARBOSA
Alguns Comentários
Luiz Eduardo Simões de Souza
Professor do Departamento de Economia/CCSO - UFMA
Capa do livro "A Economia da Ditadura Militar no Brasil (1964–1990): uma abordagem pedagógica" de Wilson do Nascimento Barbosa, publicado pela
Maria Antônia Edições (2025). Foto: Hastha Bernardo/GMARX.
Eis mais uma obra do professor Wilson do Nascimento Barbosa, cuja reputação qualifica seus conhecedores, até mais do que o próprio autor. Historiador, economista e estatístico, em uma primeira camada. Herói de duas guerras de libertação popular, em camadas mais profundas.
A Economia da Ditadura Militar no Brasil (1964–1990): uma abordagem pedagógica (São Paulo: Maria Antônia Edições, 2025, 347 páginas), é uma provocação direta ao grande “elefante na sala” da nossa sociedade, que, marcada pela Constituição de 1988, segue tentando evitar um olhar mais atento ao passado. Já no título, ela se manifesta: A provocação de Wilson Barbosa estende corretamente a ela uma mora de cinco anos de um governo eleito indiretamente, o de Tancredo Neves, exercido pelo vice, José Sarney, até 1990.
O corretivo se faz adequado não apenas em termos cronológicos ou terminológicos. Mas também da caracterização de um crime continuado em nossa história. Em troca da promessa de um ambiente mais democrático, criminosos e vítimas foram jogados indistintamente no velho balaio da conciliação, e seguimos em frente, com a promessa de não olhar para trás. Esse exercício pedagógico de lembrar, esse memento, é feito com a materialidade própria à história econômica, em sua metodologia, o que o escala à simbologia e pessoalidade dos agentes envolvidos no processo histórico da tragédia que se abateu sobre nós em 1964. A quem participou, foi cúmplice ou conivente, cabe a vergonha. A quem resistiu, cabe a honra. Não há meio-termo, exceto para aqueles que, na busca pela “imparcialidade”, se colocam do lado errado da história.
O livro de Wilson Barbosa nos tira da indiferença, resultado da falta de conhecimento sobre o tema. Ele oferece uma leitura que desafia quem minimiza ou tenta apagar os problemas do período militar, e suas sequelas. Em vez de adotar a retórica oficial ou a apatia que muitas vezes prevalece na sociedade brasileira, a obra exige que enfrentemos os impactos do regime. Ao contrário da "imparcialidade" que coloca em um mesmo nível opressores e oprimidos, o livro estimula uma reflexão sobre as relações de poder, violência e resistência que marcaram não só o golpe de 1964, mas também os anos seguintes, quando as estruturas de dominação continuaram. O autor destaca que a luta pela democracia no Brasil está ligada às tensões econômicas e sociais do período, cujos efeitos ainda são sentidos hoje. A obra não é apenas um relato ou análise histórica, mas um convite a reconsiderar a nossa trajetória como país, com foco nos que resistiram e naqueles que se acomodaram durante o regime.
Entrando nos méritos da obra, podemos dizer que se trata de uma aula aplicada de metodologia de história econômica. O autor utiliza fontes qualitativas e quantitativas de forma intensa e extensa, o que, por um lado, satisfaz a curiosidade, mas por outro, exige um esforço considerável do leitor. O professor Wilson ensina como extrair das fontes mais reticentes informações essenciais, dados que, à primeira vista, podem ser chocantes, mas que conquistam a curiosidade honesta. Dos relatórios governamentais às notícias de jornal, nada é subutilizado, tudo é escrutinado ao limite de seu propósito. Esse processo exemplifica exatamente o que um historiador deve fazer com suas fontes, por ofício.
O livro também nos revela, de várias maneiras, como a análise do contexto das décadas perdidas de 1980 e 1990 é imprescindível para entendermos não só o Brasil do terceiro quartil do século XX, mas também o Brasil contemporâneo. A obra evidencia a importância de resolvermos o passivo histórico da nossa trajetória, cujo ponto de ruptura foi o golpe militar de 1964. A raiz desse golpe, o conflito distributivo secular, ainda nos persegue. Sem enfrentá-lo, o subdesenvolvimento do país continuará sendo um fardo difícil de carregar. Não há atalhos, essa é a lição que A Economia da Ditadura Militar nos transmite. Trata-se de uma excelente história econômica do Brasil contemporâneo, que perpassa a atualidade. Quem quiser entender o Brasil atual, precisa passar por este livro.
Por fim, podemos questionar se este é o melhor livro do professor Wilson Barbosa até agora. Eu diria que sim, considerando o impacto e a profundidade da obra. No entanto, tenho a impressão de que ele ainda tem muito mais a nos oferecer. Apostaria no próximo.
Comitê de Redação: Eduardo Cação, Giovanna Herrera, Rosa Rosa Gomes.
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