Ano 01 nº 12/ 2020: O Fascismo Universal - Lincoln Secco

Boletim 12


A conjuntura ...

 

O FASCISMO UNIVERSAL

 

Lincoln Secco

Professor do Departamento de História - USP

 

Hitler não era o demagogo comum que falhava em realizar promessas depois de eleito e inventava outras para a eleição seguinte. Ele mentia, mas o que dizia deveria ter sido levado a sério como “verdadeiro”.

Pinóquio

Ele não mentia quando denunciava o desemprego, a humilhação nacional e nem quando apelava ao racismo que a ciência da época chancelava.

Porque a mentira essencial do fascista não é o que ele diz. Se a verdade é o todo, no fascismo o todo é a mentira. O que há de inverídico é o conjunto. O fascismo é uma mentira total, ainda que composta de verdades parciais.

Em uma propaganda da agência W/Brasil para a Folha de São Paulo de 1987 uma voz em off dizia: “Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo...". Enquanto repetia dados econômicos pequenos pontos pretos se multiplicavam na tela da TV até formar um retrato em branco e preto de Hitler1. A peça publicitária finalizava de forma brilhante: "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”.

Hitler

Apesar da criatividade do comercial anti-Hitler, as críticas à sua figura podem desviar a atenção das raízes sociais do nazismo. Por mais odioso que Hitler fosse, ele liderou um movimento de milhões de pessoas. Uma memória conveniente é acreditar que o nazismo foi um parêntese gerado por um pequeno grupo de facínoras que enganou o povo.

Eles não mentiram quando declararam que exterminariam os judeus, comunistas e todos os seus inimigos. Nem que subjugariam povos inteiros para obter um espaço vital alemão. Mentiam ao esconder seus crimes quando lhes era conveniente. Mentiram quando a derrota lhes obrigou a uma reconversão liberal2.

Multidão Fascista

 

Antipropaganda

 

Adorno narra a história de uma senhora alemã no imediato pós guerra que após assistir a uma peça sobre Anne Frank disse: “ao menos poderiam ter poupado aquela menina”3. A conclusão de Adorno é que “o caso individual, cuja função era de servir de exemplo do todo, converteu-se por meio de sua própria individuação em um álibi do todo” que acabou sendo esquecido por aquela mulher.

Os indiferentes ao fascismo são inacessíveis ao tipo de discurso da esquerda porque eles rejeitam os fatos ou declaram que são exceções. Não há uma ideia fascista, portanto não se pode opor outra ideia.

Muito menos uma propaganda engenhosa como aquela da Folha de São Paulo cujo objetivo era só vender jornais. A “propaganda, a manipulação racional do irracional, constitui um privilégio dos totalitários. Os que se opõe aos mesmos não deveriam imitá-los de um modo que apenas se voltará contra eles próprios”, diz Adorno.

Seria preciso mostrar aos indiferentes o quanto sua postura danifica os seus próprios interesses reais. Com o avanço das medidas fascistas, o que lhes importará é a fila do pão; a segurança; a saúde; e até a liberdade... Mas só se houver uma alternativa política concreta.

Marx já tinha percebido situações limite em que as pessoas preferem o fim com terror ao terror sem fim. Podem ser levadas ao extremo do suicídio nacional. Quem não acredita que tem futuro individual pode se entregar inteiramente ao falso universal.

Dessa situação só se sai após uma experiência de sofrimento real e uma alternativa política construída no cotidiano.

Luta


Labour Art, Jeff Burgess. Fonte: http://www.sfu.ca/labour/programs/studentresearchresources/art-and-the-…

 

1 https://www.youtube.com/watch?v=bZaYeiptmd4. Acesso em 4 de fevereiro de 2020. Deixo de lado aqui uma discussão sobre o caráter das propagandas e do próprio jornal que a encomendou.

2 Obviamente os nazistas não desapareceram em maio de 1945 quando os soviéticos libertaram Berlim. Só a cúpula compareceu aos julgamentos de Nuremberg. A massa de funcionários integrou os serviços públicos civis e militares bem como os cargos políticos da República Federal da Alemanha.

3 Adorno, T. W. Educação e Emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 47.

 


Expediente

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