Ano 01 nº 52/ 2020 (Edição Especial): Trabalhadores, luta sindical e as homenagens a Santo Dias - Dálete Fernandes; Sarah Moreira

boletim 52


Memória operária...

 

TRABALHADORES, LUTA SINDICAL E AS HOMENAGENS A SANTO DIAS

 

Dálete Fernandes e Sarah Roberta Moreira

Graduandas em História – USP

 

Santos dias

Santo, a luta vai continuar.

Os teus sonhos vão ressuscitar.

Operários se unem pra lutar.

Por teus filhos, vai continuar”1

 

Segundo a historiadora Michelle Perrot2 as “lutas individuais e cotidianas” são muitas vezes desconhecidas ou ignoradas, resultando na ausência de estudos ou dificultando o conhecimento de determinadas lutas, como a da classe operária, sua formação e seus personagens. Portanto, é necessário que seja mapeado o “envolvimento, durante muito tempo negligenciado, dos escravos negros e seus descendentes na história [...] e os movimentos de sua classe trabalhadora em particular”, como encoraja Paul Gilroy3.

Dessa forma, é indispensável o estudo e divulgação de personagens e histórias, como a do abolicionista nigeriano Olaudah Equiano, muito envolvido na formação da classe operária inglesa; as lutas representadas nas figuras de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, e Luiz Gama, que conquistou sua liberdade, atuou no movimento abolicionista paulista e advogou gratuitamente pelos que ainda estavam cativos; Margarida Maria Alves, sindicalista que inspira a Marcha das Margaridas; a sufragista, negra, alagoana, Almerinda Farias Gama4 e o metalúrgico Santo Dias (1942-1979); entre tantos(as) outros(as) personagens e eventos como a greve de 1857 em Salvador5, que paralisou o transporte e a cidade, desnorteando as autoridades locais e surpreendendo a todos; a greve geral de 1917, na cidade de São Paulo e em “municípios próximos, com a participação de mais de 50 mil trabalhadores6.

A respeito das experiências dos movimentos operários no Brasil, de acordo com Marco Aurélio Ferreira7:

A década de 1950 ficou marcada como um período de extrema importância para os trabalhadores brasileiros. O movimento sindical, capitaneado pela aliança das militâncias comunista e trabalhista, logrou grande avanço em termos de organização e mobilização, o que resultou em uma forte participação dos trabalhadores no seio da sociedade e na vida política nacional. Pode-se dizer que viveu-se um período de ouro.

Malgrado isso, menos de duas décadas depois desse intenso crescimento e atividade, toda a estrutura organizacional dos trabalhadores brasileiros, na base e na cúpula, foi duramente atingida pelo golpe de Estado de 1964. Os golpistas apresentavam como uma de suas justificativas exatamente impedir a implantação de uma “república sindicalista” no país. A intervenção nas entidades, a prisão e perseguição de lideranças e militantes, bem como a desestruturação do trabalho nos sindicatos e nas fábricas, desmontaram atividades que levariam bastante tempo para ser recompostas. Em termos do movimento operário, o que restou, como tradicionalmente ocorre em períodos como este, foi o trabalho pequeno e silencioso no chão de fábrica. Era preciso recompor forças e somar esforços para enfrentar a ditadura.

A urgência da luta e resistência é apresentada em uma metáfora de Câmara Ferreira8:

Há duas maneiras de se enfrentar um câncer. A primeira, como faziam os antigos, é, ao descobri-lo, ‘ir levando’, até que ele nos extermine. A outra, como se faz hoje, é combatê-lo, por todos os meios, não importa se vamos sobreviver ou não. A Ditadura atual é um câncer. Não podemos contemporizar com ela. (grifo nosso)

Hoje dia 30 de outubro de 2020, 41 anos do assassinato do Santo Dias, focaremos na história desse operário que nasceu em Terra Roxa, interior do estado de São Paulo, tendo trabalhado como arrendatário e meeiro nas fazendas da região até o ano de 1962, antes de radicar-se na capital. O motivo da mudança se explica por uma participação de Dias em uma paralisação por melhores salários. Devido ao fato de não possuírem propriedade de terra, “a família mudou-se para a cidade e depois de dois meses como boia-fria, Santo mudou-se para São Paulo9, onde iniciou sua vida nas fábricas, sendo demitido diversas vezes por sua participação em campanhas que também reivindicavam melhoria salarial. Desde o início, ele se envolveu nas petições “dos trabalhadores, como a mobilização pelo 13º salário, conquistadas naquele mesmo ano de 196210.

Ainda na década de 1960 e durante a atuação de Santo Dias nas fábricas, surge o movimento de “oposição sindical” contrário à gestão de Joaquim dos Santos Andrade que presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos da capital entre 1965 e 1987. Nesse período o sindicato era um espaço de pouca articulação política sofrendo interferência do Ministério do Trabalho. A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM/SP), composta pela esquerda católica, sindicalistas e militantes de partidos clandestinos de esquerda, surge em defesa dos direitos trabalhistas e sindicais “a partir da atuação nas próprias fábricas11. No ano de 1978 Santo Dias integrou a chapa 3 da oposição sindical como vice-presidente.

Dias também participava dos movimentos de base envolvendo a igreja católica. Tanto essa militância, quanto a do movimento operário “questionavam as condições precárias de vida e trabalho12. No entanto, o medo da perseguição era constante e no dia 30 de outubro de 1979 ao se deslocar à fábrica Sylvania (Santo Amaro) em apoio aos trabalhadores e na tentativa de convencê-los a integrar a assembleia, foi assassinado por um “tiro disparado à queima roupa” por um policial militar13. Sua morte resultou em grande comoção contando com um cortejo fúnebre de milhares de pessoas até a catedral da Sé.

Atualmente além dos logradouros, instituições e construções que homenageiam Santo Dias, ocorrem homenagens anuais em frente à antiga fábrica (local que hoje abriga um condomínio) como forma de rememorar a sua morte. O ato é divido em três partes, iniciando “no lugar onde o operário foi assassinado, [continuando com] uma passeata até o cemitério onde está enterrado, a algumas quadras de distância, e [encerrando com] uma celebração no seu túmulo14. Sempre sendo lembrado que Dias “não foi uma vítima genérica da repressão policial ou ditatorial, mas um militante, operário católico, assassinado por causa de sua atuação política durante a ditadura”.15

Assim como Angela Davis16 que, ao lutar pelo seu cargo na Universidade e depois pela sua liberdade, sempre propôs uma luta ampla que abrangesse latinos, negros, presos políticos, operários, entre outros; os trabalhadores ao lutarem por melhores condições de vida se propõem a lutar não só pelo grupo, mas por toda a sociedade. Almerinda Farias Gama e Santo Dias contam que muitas vezes tinham dificuldade de conversar com seus companheiros, mas nunca desistiram de sua luta por melhorias, pois ao buscar melhorias para seu grupo chamavam atenção para a importância de suas ações para toda a sociedade.

Infelizmente a fala universal de melhoria desses trabalhadores muitas vezes é distorcida, apagada ou silenciada, por isso a importância de ações, homenagens e estudos sobre suas lutas e resistência.

Ana Dias17, militante por melhoria das condições de vida e que fez parte da formação do movimento do custo de vida18, mostra como a luta por uma sociedade mais justa está presente na família Dias; porém quando Santo Dias foi assassinado e Ana Dias chegou para fazer o reconhecimento do corpo, os policiais presentes não permitiram sua aproximação chamando Santo Dias de “vagabundo”, afirmando que era “um mau exemplo” e que “não queria trabalhar”. Essas afirmações demonstram o não entendimento do que personagens como os Dias representam; a mesma falta é demonstrada com relação ao trabalho da vereadora assassinada Marielle Franco, que lutava pela segurança de todos, inclusive de policiais. Essa incompreensão de suas lutas motiva a destruição das placas e homenagens tanto a Franco quanto a Dias.

Esses episódios de apagamento, distorção e silenciamento revelam a guerra pela memória de personagens que nos apresentaram a urgência de suas demandas e a necessidade da luta, tanto por uma sociedade menos desigual quanto pela memória de resistência.

Santo Dias sempre lutou por todos os seus companheiros e, como afirmou Ana Dias, chegava a doar do pouco que tinha para os que tinham menos do que ele. E como Almerinda, que enfrentava a reprodução do machismo nos discursos de suas colegas de trabalho, Dias enfrentava a resistência de companheiros.

>Paulo Lima, líder dos Entregadores Antifascistas19, por sua vez, enfrenta neste momento a falta de compreensão da luta por parte de alguns entregadores, mas ele também sabe que luta não só por melhorias para o presente, mas também para gerações futuras. Como afirmava Margarida, todos eles souberam que é “melhor morrer lutando do que de fome”.

Hoje o movimento pela paralisação dos entregadores que começou no Brasil e ganhou proporções em outros países como Argentina, México e Chile, reivindica melhoria na remuneração, direito a licença remunerada e fim dos bloqueios aos entregadores. Segundo o entregador Paulo Diógenes Souza, os aplicativos “obrigam a trabalhar na hora em que eles querem. Quem se nega a fazer o serviço porque não gosta de pilotar no meio da chuva corre o risco de ficar o dia inteiro bloqueado20.

Para a socióloga Ludmila Costhek Abilio21:

as empresas detêm o poder de definir o valor do trabalho, a distribuição do trabalho, a variação do valor e, consequentemente, determinar o tempo de trabalho necessário para sobreviver [...] A história mostra que toda nova forma de dominação traz consigo novas formas de resistência. [...] Ouvimos falar do Paulo Gallo [membro dos Entregadores Antifascistas], mas tem várias outras iniciativas de organização que estão se encontrando. Nem conseguimos mapear isso ainda direito, é um novo tipo de organização. Se eles se reconhecem como multidão e assumem sua potencialidade, têm muitas chances de conseguir melhores condições.

Hoje, 41 anos do assassinato do Santo Dias, é um dia de homenagear e lembrar dessas histórias de luta e resistência. Em razão da pandemia, o ato desse ano ocorrerá de forma virtual.

Deixamos o convite para o ato de 2020:

"Queridos familiares e companheiros de Santo Dias, 41 anos se passaram, mas a luta e história jamais serão esquecidas!

Este ano por conta da pandemia do COVID 19 faremos as homenagens online, pelos canais Facebook e YouTube. Assistam, compartilhem e divulguem!

14h: Fábrica Sylvania – Cemitério Campo Grande

  • Transmissão ao vivo da pintura da rua Quararibeia, onde Santo Dias foi assassinado, e celebração no cemitério Campo Grande.
  • Facebook: https://fb.me/e/54Zmix1Aa

19h: Live com Luciana Dias

20h00: Homenagem a Santo Dias ao vivo

 

1 Luís Augusto Passos.

2 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. São Paulo: Paz e Terra, 2017; pag. 15/174.

3 GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2012; pag. 50/51.

4 Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=_9jfbUM_zGQ. Acesso em 30/10/20

5 REIS, João José. Ganhadores: A greve negra de 1857 na Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

6 Disponível: https://atlas.fgv.br/verbetes/greve-geral-de-1917 Acesso em 30/10/20

7 FERREIRA, Marco Aurélio. "Trabalhadores, sindicatos e regime militar no Brasil". In: PINHEIRO, Milton (org). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014; pag. 170.

8 BARBOSA, Wilson do Nascimento. Escritos estratégicos. São Paulo: Maria Antonia Edições, 2019.

9 ANTONINI, Anaclara Volpi. Lugares de Memória da Ditadura militar em São Paulo e as homenagens a Santo Dias da Silva. 2017. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 79

10 Ibidem, p. 79.

11 Ibidem.

12 Ibidem, p. 83.

13 Ibidem, p. 84.

14 Ibidem, p. 93.

15 Ibidem, p. 88.

16 DAVIS, Angela. Uma Autobiografia. São Paulo: Boitempo, 2019.

17 Disponível: https://youtu.be/3VEm6a3ZblA. Acesso em 30/10/2020

18 MONTEIRO, Thiago William Nunes Gusmão. "Como pode um povo vivo viver nesta carestia": o movimento do custo de vida em São Paulo (1973-1982). 2015. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

21 Ibidem

 


Expediente

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