Ano 2 nº 16/2021: O Mundo Mudou - Zillah Branco

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A conjuntura ...

 

O MUNDO MUDOU!

 

Zillah Branco

Nascida em São Paulo em 1936, formada em Ciências Sociais na FFCL/USP e militante comunista pela transformação social no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde

 

mascaras

Montagem a partir de fotografia de treinamento com máscaras de gás nos anos 1940 e de fotografia de Xavier Donat

 

O primeiro sinal surgiu com a eleição manipulada de dois energúmenos fascistas - Trump e Bolsonaro - cuja figura boçal desmoralizou os governos dos Estados Unidos e do Brasil destruindo os valores éticos e de justiça que assinalavam o respeito pela vida, pela dignidade, pelo povo trabalhador, pela decência, pela educação; enfim, pelo Estado de Direito.

O segundo foi a chegada de um vírus desconhecido, o da Covid-19, que mais parecia ter sido criado por aquelas novas figuras deprimentes de Presidentes da República que mancharam os governos democráticos com a figura de facínoras prepotentes.

Para que o vírus possa ser controlado impõe-se um sistema público democrático que garanta à toda a população as condições básicas de sobrevivência e desenvolvimento. Já se percebe que ao darem os privilégios de tratamento da saúde aos ricos, os pobres serão condenados à morte (como já vem ocorrendo com milhões de pessoas no mundo) e os que sobrarem vão permanecer contaminando os ricos que deles se servem nos trabalhos da casa e das empresas. Esta é uma verdade insofismável que obriga a entender que os ricos dependem dos pobres para sobreviver.

O mundo mudou - ouvimos em todo o lado, nestes tempos de pandemia. Na verdade, o mundo muda permanentemente. A Terra é redonda e gira continuamente, a ciência e a história registram alterações de todo o tipo - físicas e culturais -, que são diferentes em cada nação e para cada povo. Mas os princípios morais e éticos são mantidos como referência para a humanidade. Diante dos governos fascistas e da contaminação do vírus da Covid só a unidade do povo com as instituições democráticas do Estado poderá defender a vida coletiva.

Até os bebês são hoje mais espertos que os de antes, porque são mais livres, com roupas que não amarram os seus braços junto ao corpo, com carinhos e atenções que traduzem o respeito por aquela vida. Não é de surpreender que mais cedo que antes despertem para a vida e a sociabilidade. A sensibilidade para as expressões de afeto e a curiosidade para conhecer o ambiente certamente é bem maior do que foi a das gerações anteriores. Estas condições levam à autoestima e à coragem de lutar por seus ideais.

o que dizer de uma juventude que já não sofre as limitações impostas por uma cultura antiquada e retrógrada que proíbe a liberdade, que impõe preconceitos machistas, racistas, contra todas as diferenças de orientações sexuais, religiosas, políticas! Estarão em melhores condições de amadurecerem a consciência social e de participar na luta popular. Já são capazes de recusar uma cultura consumista e subordinada aos dogmas que levam a admirar os ricos e desprezar os pobres, que valoriza a riqueza e desdenha a dignidade dos que são solidários com os mais necessitados, que despreza as diferenças étnicas e se submete às ambições de poder pessoal e elitista, que escraviza os mais fracos.

As novas gerações foram formadas pelas anteriores, de cuja história foi produzida a sociedade atual. Beneficiaram-se das conquistas alcançadas nos tempos de seus ancestrais e experimentaram liberdades que os seus pais e avós almejaram e, com a sua luta, contribuíram para que existissem para os seus descendentes. Assim, encontraram em plena dinâmica da luta atual o combate aos preconceitos que limitaram os direitos de suas famílias.

Apesar dos atrasos e da pobreza impostos à maioria popular, encontraram abertos os caminhos da luta para chegarem ao ensino universitário e levantarem a cabeça com o direito de terem a sua própria opinião. São capazes de dialogar com seus colegas mais privilegiados socialmente e com os seus professores. Têm uma bagagem cultural que muitos desconhecem e que constitui temas de estudo no ensino superior. Descobrem-se como atores sociais de uma realidade que interessa às ciências sociais mudar para garantir o direito de cidadania por igual a toda a população. E encontram alguns bons elementos, em outra classe, privilegiada em relação à sua, o mesmo interesse que os seus têm de que exista um “Estado Democrático”. Somam-se agora na mesma luta e contam com a maioria na defesa dos seus direito

 

O mundo mudou

 

Esta noção de que o mundo mudou graças à pandemia, tem a sua verdade. O sistema capitalista organizou a globalização para unir as elites, centralizar o sistema bancário, expandir as bases militares dos países ricos, transformar os pobres em escravos submissos. Fortaleceu o comando político e militar para gerir todos os territórios das nações menos desenvolvidas e provocar conflitos internos para poder substituir os governos que defendiam a soberania nacional. As invasões destruíram antigas culturas, mataram populações civis, incendiaram produções e florestas, multiplicaram a miséria provocando a imigração de milhões de pessoas que foram trabalhar com baixos salários para os países mais ricos e para as grandes empresas multinacionais.

Diante disso, a chegada da pandemia em todos os continentes significou a interrupção da organização elitista existente na vida de todas as sociedades, permitindo uma visão mais completa das diferenças de classe e das condições de comando por uma casta reacionária proprietária do capital, que escraviza os trabalhadores submissos em todas as nações.

Ao contrário do efeito da globalização - que aproximou as elites financeiras mundiais mantendo o distanciamento entre ricos e pobres em cada país, - agora, com a necessidade de todos os governos enfrentarem as ameaças de contágio de um virus que mata pobres e ricos igualmente, ficaram claras as formas existentes de proteção dos ricos através de um sistema privado de saúde (e a vergonhosa competição da indústria farmacêutica para distribuir as vacinas) e a falta de um sistema público gratuito capaz de proteger de forma competente a sobrevivência dos mais pobres. Agora, com a contaminação viral houve uma identificação entre todos os continentes onde a maioria dos cidadãos é pobre e explorada pelo sistema capitalista.

Ficou claro que agora é a distribuição dos recursos médicos que deve ser socializada, ao contrário do que ocorria como base do sistema capitalista, quando se sentia a necessidade de distribuir o capital para permitir a existência de um regime “democrático”.

 

A unidade na luta

 

Foram criadas oportunidades para que as vítimas de preconceitos se encontrem unidas em movimentos sociais tanto a nível de comunidade, como do país ou internacionalmente, formando associações que consolidam o conhecimento adquirido e transmitem as conquistas que já foram alcançadas nos estudos das situações específicas de gênero, de orientações sexuais, de religiões e crenças tradicionais, de etnias etc. 

A importância do combate aos preconceitos sociais é que todos eles têm uma raiz comum na perspectiva da luta de classes, na qual as elites que se enriquecem com a morte e a miséria do povo só defendem os próprios interesses e são capazes de atraiçoar a Pátria e promover chacinas. Portanto, as vítimas de preconceitos sociais são sempre da classe espoliada por uma minoria que se apropria do capital para exercer o poder no sistema capitalista.

A luta pela unidade para que seja criado o Estado de Direito não exige a identidade de objetivos finais entre todos, mas sim os princípios de natureza ética que promovem a solidariedade na defesa dos legítimos direitos de todos os cidadãos de adquirirem as mesmas condições de vida e de desenvolvimento pessoal e profissional para constituírem a força produtiva no seu país. É um momento estratégico em que todas as lutas devem se somar aos partidos políticos que disputam as eleições para os cargos púbicos, quando a diversidade que move os diferentes grupos revela a sua identidade na defesa de um Estado de Direito.

 


Expediente

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