Ano 2 nº 26/2021: Projetos Revolucionários do Movimento Operário Brasileiro no Período das Grandes Greves

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Mundo acadêmico… 

 

PROJETOS REVOLUCIONÁRIOS DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO NO PERÍODO DAS GRANDES GREVES

(1917-1920)

Frederico Duarte Bartz 

 Mestre e Doutor em História pela UFRGS e

Técnico em Assuntos Educacionais na mesma universidade

 

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Trabalhadores em frente à fábrica têxtil na Mooca no início do século XX (Reprodução/Arquivo Edgard Leuenroth/Unicamp)


 

O mês de julho de 1917 foi especialmente importante para a história do movimento operário brasileiro, pois foi quando eclodiram três grandes Greves Gerais no país: no dia 9 em São Paulo, no dia 18 em Curitiba e no dia 31 em Porto Alegre. As Greves Gerais tiveram um efeito catalisador que mobilizou outros centros urbanos como o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Belém, Campinas, Petrópolis, Pelotas e Recife; o movimento foi a tão significativo, que se tornou lugar comum apontar esse ciclo como o ponto mais alto da mobilização operária na Primeira República. Nesse julho de 2021, 104 anos após a intensa mobilização, acredito ser necessário olhar para aquela conjuntura não como ápice, mas sim um ponto de partida, pois os desdobramentos daqueles fenômenos foram tão ou mais importantes que os movimentos paredistas em si. 

A Greve Geral de São Paulo foi coordenada por um Comitê de Defesa Proletária, que logo após o encerramento da parede fez apelos, através do jornal A Plebe, para a convocação de um Congresso Geral da Vanguarda Social do Brasil, que deveria ser convocado a partir da estrutura da Confederação Operária Brasileira. Esse gesto possui um grande significado, pois mostrava o desejo de articular a força proletária dispersa em diversos núcleos em um movimento mais orgânico e potente. Nos meses seguintes, a repressão aos militantes e sindicatos repercutiram negativamente, mas a vitória da Revolução Bolchevista na Rússia foi uma lufada de esperança que fez os operários e operárias ampliarem seus horizontes. Nesse sentido, as Greves Gerais de 1917, associadas ao impulso da Revolução Russa, abriram caminho para a construção de uma série de projetos políticos que tinham finalidade revolucionária. 

​​​​​​​Ainda naquele ano, Abílio de Nequete, em Porto Alegre, articulou o primeiro projeto que dialogava com os modelos oferecidos pelos bolchevistas, ao tentar formar um Grupo de Operários e Soldados Brasileiros. No ano seguinte, o militante libanês fundou em novembro a União Maximalista, com a expressa finalidade de defender os princípios da Revolução. Em Maceió, o farmacêutico e livre-pensador Octávio Brandão, a partir de uma perspectiva diferente, fundou a Congregação Libertadora da Terra e do Homem, com o objetivo de incentivar a Revolução Agrária entre os camponeses pobres e trabalhadores dos engenhos. Também em São Paulo, na Barra Funda, foi fundado um Centro Maximalista em junho de 1918, com prováveis conexões com os socialistas italianos que defendiam um programa radical. 

Na Capital Federal, militantes anarquistas como José Oiticica e Astrogildo Pereira, organizaram a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, onde também se observava a defesa da Revolução Russa. Esse grupo foi responsável pela primeira tentativa revolucionária daquela época, a Insurreição Operária do Rio Janeiro, que tinha como objetivo derrubar o Presidente Delfim Moreira e instaurar uma República dos Soviets. A Insurreição, que deveria juntar operários grevistas e soldados amotinados, acabou sendo traída e desbaratada, no entanto (e apesar da derrota) o projeto tornava-se mais factível no horizonte. Nesse mesmo mês de novembro, a Revolução Alemã derrubava o Kaiser Guilherme, o que teria reflexos em outros países europeus e trazia novas esperanças para o movimento operário internacional. 

A derrota das forças operárias em novembro convidava os militantes à reflexão e foi a partir da necessidade de um movimento mais articulado que surgiu a ideia da formação do primeiro Partido Comunista do Brasil. O PCB foi formado por militantes anarquistas e sindicalistas do Rio de Janeiro em março de 1919, com a função de ser uma frente ampla que aglutinasse todas as forças que apoiavam a Revolução Social, sob a hegemonia dos militantes operários. Como sequência lógica da fundação, foram enviados convites para a formação de grupos comunistas em outras regiões do país, o que provocou o surgimento de núcleos similares no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais; também foi formada a Liga Comunista Feminina, articulada por Elisa Gonçalves. Em junho realizou-se uma Conferência no Rio de Janeiro e Niterói, com a participação de grupos comunistas e outras organizações.

É importante notar que esse PCB aglutinava anarquistas, socialistas, maximalistas e sindicalistas em uma frente comum em defesa do comunismo social. O estado de Pernambuco, onde havia um considerável grupo de socialistas e anarquistas que defendiam a Revolução Russa, enviou para a Conferência Comunista o representante da Federação de Resistência das Classes Trabalhadoras, o que mostra que o Partido desejava incorporar também os sindicatos. As decisões da reunião apontaram para uma maior articulação em congressos regionais e a realização de um congresso operário nacional no final do ano, o que remonta o desejo de chamar um Congresso de Vanguardas já explícito nas Greves de 1917. O refinamento dessa articulação tinha uma finalidade que ia além da estruturação da frente, apontando para a concretização do projeto revolucionário. 

Efetivamente, os militantes de São Paulo estavam articulando uma nova insurreição que deveria ser deflagrada simultaneamente em diversos centros urbanos do Brasil. Para essa finalidade, os militantes operários estavam em contato com militares de baixa patente e políticos da esquerda republicana, em uma prática insurrecional que remonta a tradição das alianças do jacobinismo do início da República. Porém, no dia 19 de outubro de 1919, uma explosão ocorrida em uma casa no bairro do Pari, em São Paulo, expôs os planos dos militantes e iniciou-se uma intensa perseguição às principais lideranças operárias, como Everardo Dias e Gigi Damiani. Os trabalhadores deflagraram a Greve Geral, para levar adiante o projeto, mas as forças repressivas derrotaram a Insurreição Operária de São Paulo e desarticularam todo o movimento.

Durante o ano de 1920, alguns novos projetos que dialogavam com ideias revolucionárias foram construídos, como a Coligação Social no Rio de Janeiro, o Grupo Comunista Zumbi em São Paulo e o Centro de Estudos Sociais em Recife, mas as perspectivas se tornavam cada vez mais difíceis, por conta da intensa repressão e das disputas entre defensores do anarquismo e do bolchevismo, cujas rivalidades começavam a se desenhar. De qualquer forma, o período precedente havia mexido profundamente com o país, a tal ponto que a presença da classe operária não poderia mais ser ignorada. Mais do que o silêncio dos vencidos, a ação dos operários mobilizados legou ao regime oligárquico importantes rachaduras em seu edifício social, que abalariam suas estruturas pelas décadas seguintes. 



 

Referências

 

ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002 (edição revista e atualizada).

BANDEIRA, Luís Alberto Moniz, MELO, Clóvis e ANDRADE, Aristélio Travassos de. O Ano Vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. 

BARTZ, Frederico Duarte. Movimento Operário e Revolução Social no Brasil: ideias revolucionárias e projetos políticos dos trabalhadores organizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Porto Alegre (1917-1922). Porto Alegre: PPG em História da UFRGS, 2014 (Tese de Doutorado). 

BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

BIONDI, Luigi. Entre organizações étnicas e de classe: os processos de organização política e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de São Paulo (1890-1920). Campinas: PPG em História da UNICAMP, 2002 (Tese de Doutorado).

DECCA, Edgar Salvadori de. 1930: O Silêncio dos Vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.  

DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Alfa Omega. 1977.

OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1937). Niterói: PPG em História da UFF, 2009 (Tese de Doutorado).

PEREIRA, Astrogildo. Formação do PCB: notas e documentos (1922-1928). Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1962.

PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. "Que a união operária seja nossa pátria": história das lutas dos operários gaúchos para construir suas organizações. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001.

REZENDE, Antônio Paulo de Morais. A classe operária em Pernambuco: cooptação e resistência (1900-1922). Campinas: PPG em História da UNICAMP, 1981. (Dissertação de Mestrado).

VELASCO E CRUZ, Maria Cecília. Amarelo e Negro: matizes do comportamento operário na República Velha. Rio de Janeiro: PPG em História do IUPERJ, 1981. (Tese de Mestrado).

 


Expediente

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