Ano 2 nº 39/2021 (Edição especial): Lançamento da Revista Livro 9/10 - Maria Daecto e Plínio Martins Filho

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Mundo acadêmico ...

 

LANÇAMENTO DA REVISTA LIVRO 9|10: 18 DE DEZEMBRO, A PARTIR DAS 11H, NA LIVRARIA MARTINS FONTES

 

Marisa Midori Deaecto

Plinio Martins Filho

Editores da Revista Livro

 

livro9-10

E por falar em leitura..., seção inaugural de livro n. 9|10, reúne narrativas múltiplas, livres – porque, como observa Marcelino Freire, livro bom não prende, liberta – sobre o ato de ler. Resposta à banalização da cultura e ao desmonte das políticas públicas em prol do livro e da leitura a que temos assistido nestes últimos anos? Certamente. No entanto, os autores reunidos nesta seção elevaram o debate a um outro patamar, demonstrando, por meio do gesto das palavras, que é preciso combater a brutalidade com a doçura, a ignorância com a poesia e a vileza com a temperança. Afinal, os tempos são tenebrosos e demandam muita sabedoria.

É preciso, portanto, celebrar a sabedoria dos livros que se materializam nos desvãos da memória, cujos sons produzem ecos na imaginação, como sugere Hélio Cabral; os livros difíceis, que se concretizam a duras penas, em ambientes de cultura rarefeita, segundo as lembranças pungentes de Luiz Ruffato e de Miguel Sanches Neto; os livros que desbravam o sertão – ou seria bem o contrário? – na narrativa épica de Walnice Nogueira Galvão. Enfim, relatos sobre as leituras de formação que se completam e se enriquecem com as palavras generosas de Carlos Nejar, para quem a leitura “é uma enorme bondade”. Ou com o gesto aguerrido, mas nem por isso amoroso de Ligia Chiappini, ao recompor o ato da leitura na arena política e social. Essas questões se completam com os artigos/depoimentos de Ana Mae Barbosa, Edmir Perrotti e Ottaviano De Fiore di Cropani (1931-2016), leitores do mundo e da arte, que reuniram nas páginas de livro, além de suas visões sobre a leitura, suas experiências em projetos públicos. E se o livro pode também ser uma arma – que faz tremer os governos autoritários –, a leitura é alimento para o corpo que se fortalece e para o espírito que se sacia. “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?”, perguntavam os Titãs na arena pública, nos já distantes anos 1990.

LIVRO celebra seus dez anos de existência com um novo número duplo. A seção Leituras reúne contribuições acadêmicas sobre temas diversos, embora reveladores de uma tendência muito forte, a saber, a percepção do livro, de suas instituições e de seus principais agentes como partícipes de uma ampla rede de relações, de trocas e de transferências. Jamais as abordagens monográficas foram tão favorecidas pelas imagens captadas por grandes angulares, o que nos permite observar eventos e fenômenos particulares, sem perder a percepção da totalidade, dos grandes quadros, das chamadas visões de conjunto.

É o que vemos no artigo de Maria Antonietta Orlandi sobre os primeiros livros impressos na Itália, no Mosteiro de Santa Escolástica, em Subiaco, nos arredores de Roma, para onde rumaram dois tipógrafos alemães, com a finalidade de anunciar a boa nova – a invenção da tipografia – e de angariar novos clientes, nos anos de 1464-1465. Ainda no âmbito europeu, a emergência das bibliotecas científicas no reino da Hungria se revela como um fenômeno típico das transferências culturais, o que se verifica na constituição do acervo, mas, sobretudo, nos contatos dos republicanos das letras, segundo István Monok. O mesmo se dá no comércio de raridades, entre bibliotecas de particulares e as coleções nobres ou reais, na Época Moderna, para a qual se constitui um circuito próprio, que regulamenta as práticas e o valor dos livros, de acordo com Le Guillou. A pesquisa de Hernán Pas sobre a produção, difusão e recepção do livro Os Mistérios de Paris, de Eugène Sue, permite-nos conhecer os processos de transferências e apropriações de um romance em geografias, línguas e suportes diversos. Poder-se-ia dizer que o único estudo voltado eminentemente a um espaço nacional é o proposto por Marie-Claire Boscq, mas quem contestaria o fato de a censura implantada no sistema de organização dos trabalhadores do livro, na França, ter influenciado outras nações ou, pelo menos, sustentado o debate sobre a regulamentação do mercado um pouco por todas as partes, tocadas pelas francesias? Provam-no os artigos de Fernando Paixão e Ubiratan Machado, cuja ideia de uma formação literária, ou mesmo a presença de sociabilidades literárias, não pode ser pensada sem a presença europeia, senão, francesa no mercado de bens culturais carioca.

Dossiê – Editores e Edições se volta para uma temática tradicional, na perspectiva de captar novos problemas e novas abordagens que a história editorial tem levantado na última década. Para tanto, privilegiamos pesquisas de natureza histórica e sociológica centradas nas sociedades ibero-americanas. Tal seleção resultou em um panorama muito oportuno sobre o papel do editor como mediador político, como vemos nos estudos desenvolvidos por Adriana Petra e Ezequiel Saferstein, sobre a Argentina; quadro que se completa com o levantamento da fortuna editorial brasileira do clássico de John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, por Dainis Karepovs. A editora Hachette será objeto de duas reflexões muito distintas, o que testemunha a riqueza de seu catálogo: Federico Ferretti se volta para as edições de Reclus, no limiar do século xx, interrogando sobre a relação entre política (e militância) e o capitalismo editorial, lembrando que o editor em tela se apresenta como um dos grandes de seu tempo; Gustavo Sorá, por sua vez, dedica-se à presença da editora Hachette na Argentina, entre as décadas de 1930 e 1950, pesquisa que certamente permitirá um diálogo estreito e profícuo entre os investigadores latino-americanos dedicados aos estudos sobre as relações culturais e econômicas com a França, sobretudo porque, nesse momento, a questão das nacionalidades e da formação de um mercado editorial nacional é muito forte, diferente do que observamos no século XIX, quando de uma primeira expansão das editoras francesas em nosso continente. Lembremos que o aparecimento da Livraria Francesa de São Paulo e da editora Difel, fundadas por Paul-Jean Monteil, na década de 1950, como demonstra Fabiana Marchetti em seu artigo, ocorre no contexto de maior ebulição cultural e editorial do país, com a presença maciça de intelectuais e de instituições brasileiras. O último bloco do Dossiê se destina aos editores e aos contatos editoriais entre Portugal e Brasil, por meio dos estudos desenvolvidos por Nuno Medeiros, Bruno Henrique Coelho e Emanuel Cameira.

A seção Memória recupera os eventos europeus, organizados em 2017 e 2018, destinados a celebrar os quinhentos anos da Reforma Protestante; e, em 2019, os quinhentos anos de nascimento do impressor e editor Christophe Plantin. O caricaturista Alvarus é o grande personagem da vez, cujas memórias são evocadas por Ubiratan Machado e documentadas por João Antônio Buhrer. Gustavo Piqueira revisita a garçonnière mais famosa e frequentada pelos modernistas de São Paulo. E o faz em homenagem dupla: a Oswald de Andrade, que deu vida ao Perfeito Cozinheiro das Almas e a Frederico Nasser, este bibliófilo que o imortalizou.

As seções Bibliomania e Estante expõem apenas uma parte dos livros sobre livros publicados nestes últimos anos, em edições nacionais e estrangeiras. É importante assinalar este aspecto, pois, desde o lançamento do primeiro número de livro, em 2011, temos salientado o aumento de publicações sobre livros, tanto obras de ficção quanto de não ficção.

Letra e Arte propõe literatura fina e humor refinado, sob a curadoria de José De Paula Ramos Jr. É ler para crer!

Enquanto correm os intimoratos em carreatas insanas, “sem razão ou compreensão do momento grave”, como denuncia o autor do poema “O Poder e a Paz”, a LIVRO encerra com este volume alentado dez anos de muito trabalho, dedicação, agitação e propaganda em prol do livro. Celebrar dez números não é tarefa simples, sobretudo nos tempos em que as revistas acadêmicas agitam suas palavras nas telas dos computadores, dos celulares ou dos leitores eletrônicos, sustentadas por tabelas de números e cifras que guardam pouca relação com seus autores e leitores de carne e osso. Sustentar por uma década uma revista impressa, movida pela paixão do ofício do editor e pela crença no livro como alimento da alma, é tarefa para os sonhadores.

E como para os sonhadores nem o céu é o limite, livro rende homenagem, desde o primeiro número, às artes visuais. Hélio Cabral, Kaio Romero, Ciro Yoshiyasse, Marcelo Cipis, Patrícia Osses, Luiz Fernando Machado, Maria Bonomi, Gustavo Piqueira, compõem esta plêiade de artistas que iluminou nossas publicações, demonstrando que um códice impresso se destina a ativar todos os sentidos. LIVRO n. 9|10 tem a honra de expor a arte de Flávia Ribeiro. Ao extrair da matéria bruta do códice os elementos que o enobrecem e o iluminam, a artista nos faz reviver o milagre da dobra e da arte inscrita nos volumes pretéritos, o que nos conduz a refletir sobre o futuro do livro, desse códice tão perfeito que teima em se dobrar e se desdobrar diante de nossos olhos.

Os Editores agradecem, comovidos, às centenas de autores e aos milhares de leitores que sonharam esse sonho e que viveram, em suas páginas, esse sonho. Evoé novas leituras. Evoé jovens artistas. Com estas palavras, a revista LIVRO guarda o compromisso de existir como uma galeria aberta e acessível, devotada a todas as formas de expressão que cabem em um livro.

(Texto de 4 de dezembro de 2021)

 


Comitê de Redação: Adriana Marinho, Carlos Quadros, Gilda Walther de Almeida Prado, Daniel Ferraz, Marcela Proença, Rosa Rosa Gomes.
Conselho Consultivo: Dálete Fernandes , Felipe Lacerda, Fernando Ferreira, Frederico Bartz, Lincoln Secco, Marisa Deaecto, Osvaldo Coggiola, Patrícia Valim.
Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
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