Ano 3 nº 13/2022: A conjuntura - A Weimar Tropical - Fernando S. Ferreira

boletim3-13


A conjuntura ...

 

A WEIMAR TROPICAL

 

Fernando Sarti Ferreira

Doutor em História Econômica – USP

 

Hitler-Hind

Hitler cumprimentando Paul von Hindenburg, 21 março de 1933. Fonte: Bundesarchiv, Bild 183-S38324 / CC-BY-SA 3.0

 

Eis que a obra de Aécio Neves foi concluída. Como um playboy herdeiro que torra as economias da família com a vida desregrada nas boates e bas-fond da vida, o movimento iniciado por Aécio em 2015 pôs fim à República de seu avô.

O evento mais espetacular das eleições de 2022 foi, sem dúvida, o avanço do núcleo duro bolsonarista, sendo este avanço ainda mais espetacular no Senado. Bolsonaro conseguiu formar uma tropa de choque militante de dar inveja a qualquer força política que já tenha ocupado o Planalto desde 1985, com Damares, Magno Malta, Moro, Astronauta e Mourão. Na Câmara de Deputados, olhando a partir de São Paulo, Bolsonaro promoveu sua “Noite das Facas Longas”, assassinando politicamente todos os seus dissidentes. Janaína Paschoal, Joice Hasselman e Frota foram eliminados, enquanto Carla Zambeli, mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro, acabou ficando à frente de Eduardo Bolsonaro. No entanto, é preciso notar outro fenômeno e, quiçá o mais importante: o fim da centro-direita. O PSDB deixou de existir nesta eleição. Perdeu dois senadores, 11 deputados e sua praça forte, o Estado de São Paulo.

 

A estratégia eleitoral normalizou o fascismo

 

Varrer eleitoralmente o bolsonarismo nunca foi o compromisso de nenhuma força política relevante. À direita, ele lhe parecia útil até agora. Achando que poderia colocar os animais que soltou de volta na jaula. A direita filo-tucana morreu abraçada ao leão, com a esperança de que ainda poderia domá-lo.  À esquerda, a fé cega nas instituições burguesas construídas no pós-1988, além da naturalização e acomodação a um tipo de disputa política que foi destruído pelo golpe de 2016, também jogou água no moinho da normalização democrática do bolsonarismo. Essas duas concepções sobre a luta a ser travada em 2022 levaram o PT a abraçar uma fila de cadáveres políticos que, se por um lado, traziam tranquilidade para os jornalistas dos canais de notícias da TV à cabo, por outro produziam o efeito contrário nas massas mobilizadas e excitadas pelo fascismo. Quanto mais Meirelles, Alckmins, Franças e Fernandos Henrique o PT abraçar para agradar editorialistas de jornal impresso, mais a candidatura de Lula irá parecer como uma ofensiva da ordem, uma tentativa de frear a “revolução bolsonarista”.

 

Reinvenção da política

 

Infelizmente, foi o fascismo que ressuscitou a política no Brasil, implodindo o modorrento discurso tecnocrático da gestão de orçamento e da disputa pela melhor forma de “administrar coisas”. É de uma força terrivelmente poética, do ponto de vista político, que um ministro da saúde responsável por 700 mil mortes seja um dos candidatos mais votados ao legislativo. A esquerda não foi dizimada, como preveriam muitos de seus intelectuais e a esmagadora maioria do tal “centro-democrático”. Pelo contrário, cresceu sua bancada no Congresso e no Senado. Elegeu indígenas e transgêneros de esquerda. No entanto, ela limita seu potencial de crescimento e, assim, a possibilidade de derrotar o fascismo quando se domestica para agradar os cadáveres da Nova República.

 

Um programa para chamar de seu

 

Há um outro aspecto da disputa. Bolsonaro teve uma onda de apoio nas regiões mais ricas do país, sendo crucial para essa vitória o apoio das classes médias. É preciso assediar e dividir esse grupo, por meio de uma radicalização programática direcionada a ele, não reforçando seus preconceitos e assumindo suas bandeiras conservadoras. A classe média, como demonstrou ao longo das duas últimas décadas, tem sérias dificuldades de compreender e até mesmo de perceber os ganhos que teria em um governo petista. Para rachar esse grupo seria importante, por exemplo, assinalar uma transformação radical nas alíquotas do imposto renda para o financiamento de um robusto serviço público e o compromisso de combater os oligopólios da educação e da saúde, que escorcham esse setor por meio de mensalidades abusivas e serviços de qualidade duvidosa. Os pobres já deram seu recado nas urnas e mais uma vez mostraram que têm um partido de massas – com todos os defeitos, mas é o seu partido. São frações da classe média que precisam ser convencidas ou coagidas a abandonar o bolsonarismo.

 

Hegemonia é consenso e coerção

 

O programa é só parte do problema. Ele é fundamental para dialogar com o “centro” político e o “centro do país”. No entanto, é necessário e urgente retomar as ruas. É inadmissível que Lula tenha tido a votação que teve na cidade de São Paulo e suas ruas sejam palco apenas para manifestações bolsonaristas. Há medo de ir para rua? Existe a possibilidade de violência? Tudo isso é verdade, mas também é verdade que cabe aos partidos e sindicatos que formam a frente ampla comandada pelo PT pararem de discutir divisão de cargos em governos imaginários e garantir a segurança da militância que for para a rua.

 

 


Comitê de Redação: Adriana Marinho, Clara Schuartz, Gilda Walther de Almeida Prado, Daniel Ferraz, Marcela Proença, Rosa Rosa Gomes.
Conselho Consultivo: Carlos Quadros, Dálete Fernandes, Felipe Lacerda, Fernando Ferreira, Frederico Bartz, Lincoln Secco, Marisa Deaecto, Osvaldo Coggiola, Patrícia Valim.
Publicação do GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política) / FFLCH-USP
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