Ano 3 nº 09/2022: Mundo acadêmico - "Rugindo do Leste": o sonho do terceiro mundo - Robin Kelley

boletim3-09


Mundo acadêmico ...

 

“RUGINDO DO LESTE: O SONHO DO TERCEIRO MUNDO

 

Robin D. G. Kelley[1]

(tradução de Matheus Cardoso da Silva, Doutor em História Social, USP e Sean Purdy, Professor do Departamento de História, USP)

 

Grey

In Grey, Wassily Kandinsky, 1919. Paris, Musee National Art Moderne, Centre Georges Pompidou. 

https://collection.centrepompidou.fr/artwork/150000000008794

 

Apresentação à tradução

 

Sean Purdy

Professor do Departamento de História - USP

 

Historiadores já sabiam da poderosa influência de lutas anticoloniais no movimento negro nos Estados Unidos no século XX. Desde a participação fundamental do grande historiador, sociólogo e ativista negro, W.E.B. Du Bois, no movimento panafricano no início do século XX, até a importância das revoluções chinesa e cubana no pensamento negro radical após a Segunda Guerra Mundial, pesquisadores sempre anotaram o encanto das grandes vitórias da luta anticolonial para militantes dos diversos movimentos por libertação negra no país. Porém, foi somente nas décadas de 1980-2000 que surgiram pesquisas aprofundadas sobre a exata influência e importância de desenvolvimentos globais nos movimentos no país.[2]   

A contribuição de Robin D. G. Kelley nesse número do Maria Antonia – Boletim de GMarx USP surgiu nesse rico contexto de estudos inovadores sobre a internacionalização dos movimentos negros radicais nos Estados Unidos. “’Rugindo do Leste’” é um capítulo da amplamente louvada coleção de seis ensaios de Kelley, Freedom Dreams: the Black Radical Imagination, (Sonhos de Liberdade: a imaginação negra radical), publicado em 2002 por Beacon Press. A coleção trata da história de intelectuais e artistas rebeldes da diáspora negra nos Estados Unidos ao longo do século XX, focando não na miséria, pobreza e opressão da comunidade afro-americana, mas na esperança, amor e imaginação oferecidas por visões radicais de um mundo alternativo livre de opressão e exploração. Portanto, ele explora, detalhadamente, conhecidos e também, em grande parte, desconhecidos artistas, intelectuais e militantes negros de movimentos sindicalistas, comunistas, feministas, nacionalistas e artísticos que sonharam a liberdade, principalmente para afro-americanos, mas também para outros povos oprimidos e a classe trabalhadora como um todo. Como Angela Y. Davis escreveu, Sonhos de Liberdade é “Um livro poderoso [....] Robin D. G. Kelley produz histórias de radicalismo negro e visões do futuro que desafiam convenções e expectativas”.[3]

Robin D.G. Kelley estava bem-posicionado para escrever essas diversas histórias de radicalismo negro. Militante da esquerda secundarista e universitário na Califórnia nos anos 1980, ele surgiu na cena intelectual com a publicação da sua tese de doutorado, Hammer and Hoe: Alabama Communists during the Great Depression[4] (Martelo e Enxada: os comunistas no Alabama durante a Grande Depressão), em 1990. Premiado amplamente, o livro explora os sucessos e fracassos da organização e mobilização de trabalhadores negros no sul dos Estados Unidos pelo Partido Comunista dos Estados Unidos nas décadas de 1930-1940. Desde então, Kelley publicou vários outros livros sobre movimentos de base no sindicalismo norte-americano e cultura negra, incluindo livros sobre jazz, e obras didáticas sobre a história afro-americana.[5] Ele também tem publicado numerosas intervenções políticas sobre marxismo, racismo, antifascismo, solidariedade com a luta palestina, as “guerras de cultura” e a polícia nos Estados Unidos.[6] Refletindo seu compromisso com a educação política e histórica para um público mais amplo, Kelley ministrou cursos para militantes do MST na Escola Florestan Fernandes no Brasil em 2015 e 2017.

Acredito que essa obra de Kelley será uma contribuição importante não só para estudiosos dos Estados Unidos no Brasil, mas também para os estudos na historiografia brasileira sobre radicalismo, os movimentos negros e estudos transnacionais. Espero que historiadores/as aproveitem essa tradução de um dos mais importantes pesquisadores de história nos atuais Estados Unidos.

 

“Rugindo do Leste”: o sonho do Terceiro Mundo

 

Robin D. G. Kelley

Titular em História – Universidade da Califórnia

 

O espectro de uma tempestade está assombrando o mundo ocidental [...] A Grande Tempestade, a vindoura Revolução Negra, está girando como um tornado; rugindo do leste; sacudindo as amarras da terra ao passar por países governados por regimes opressores; derrubando as paredes de instituições poderosas; enchendo as ruas coloniais bem pavimentadas com rios de sangue carmesim. Sim, por todo este planeta taciturno, as multicoloridas “hordas” de milhões de desnutridos estão em movimento como nunca antes na história da humanidade. Eles estão se movendo ao ritmo de uma Nova Canção, um Novo Som; dançando nas ruas para um Sonho Universal que assombra suas noites miseráveis: eles sonham com a Liberdade! Suas mentes são alimentadas e reabastecidas pelo fogo desse sonho.

Rolland Snellings (Askia Muhammad Toure), “Afro-American Youth and the Bandung World,” (A Juventude Afro-Americana e o Mundo de Bandung) 1965.

 

A história da mudança dos direitos civis para o movimento Black Power foi contada tantas vezes, em livros, documentários, em cursos de história afro-americana em todos os Estados Unidos, que se tornou uma espécie de senso comum. Geralmente começa com o assassinato de Emmett Till, seguido rapidamente por Brown v. Secretaria da Educação em 1954 – ambos os eventos estimulando uma comunidade negra já esperançosa, se não irritada, em ação. A raiva e a esperança negras são atribuídas ao apoio negro à “Boa Guerra” contra o fascismo no exterior, uma década antes; afinal, os negros eram leais à América [aos Estados Unidos da América], e agora era a hora de o estado conceder aos negros democracia e cidadania. Então Montgomery mostrou ao mundo o que o protesto negro poderia realizar, dando origem ao movimento moderno pelos direitos civis. Campanhas locais e nacionais promovidas pela Conferência de Liderança Cristã do Sul (Southern Christian Leadership Conference, SCLC), o Congresso sobre Igualdade Racial (Congress on Racial Equality, CORE), o Comitê Coordenador de Estudantes Não Violentos (Student Non-Violent Coordinating Committee, SNCC), para citar apenas os três grandes, lutaram pela cidadania, o direito de voto e dessegregação, e conseguiu que o governo federal aprovasse a Lei dos Direitos Civis (Civil Rights Act, 1964) e a Lei dos Direitos de Voto (Voting Rights Act, 1965). Foram vitórias de Pirro, para dizer o mínimo. Ativistas foram mortos e o FBI não fez nada a respeito. O Partido Democrata rejeitou a única esperança de democracia real no Mississippi - o Partido Democrático da Liberdade do Mississippi (Mississippi Freedom Democratic Party) liderado por Fannie Lou Hamer, que tentou, mas não conseguiu representar os eleitores negros privados de direitos na convenção democrata de 1964. Em 1965, os manifestantes dos direitos civis em Selma foram “demovidos” por tropas estaduais do Alabama e pela polícia local, e o Dr. King aparentemente cedeu, desferindo um forte golpe no moral do movimento. Enquanto isso, o surgimento de Malcolm X e seu subsequente assassinato, eventos exacerbados pela onda de rebeliões urbanas entre 1964 e 68, serviram como catalisadores para o crescente sentimento nacionalista negro. Os membros do SNCC começam a portar armas para se proteger; os líderes negros do SNCC, particularmente pessoas como Stokely Carmichael e Willie Ricks, começaram a questionar a agenda integracionista do movimento. Então, durante o verão de 1966, o slogan “Black Power” surgiu com força total entre os militantes negros do SNCC e do CORE. Eles estavam cansados e impacientes com o ritmo lento do establishment dos direitos civis, e uma nova atitude tomou conta do movimento: chega de compromissos, chega de “acordos” com os liberais brancos, chega de subordinar a luta às necessidades do Partido Democrata. De amarga decepção surgiu uma nova revolução negra.

Em outras palavras, altas expectativas geraram o movimento dos direitos civis; o fracasso do movimento em alcançar todos os seus objetivos e em lidar com a pobreza urbana gerou o Black Power. O florescimento do nacionalismo negro em meados da década de 1960 é geralmente apresentado como um processo evolutivo, um estágio no desenvolvimento da política negra do pós-guerra. É uma tipologia agradável, com certeza, mas que obscurece mais do que revela. Em primeiro lugar, é uma história muitas vezes limitada à esfera doméstica, ao Estado-nação dos EUA. Mesmo o nacionalismo negro tende a ser colocado em termos de motins e campanhas de "compra de negros", em vez do apoio dos ativistas negros aos movimentos anticoloniais e a solidariedade ao Terceiro Mundo.

Em segundo lugar, dada a trajetória Sul-Norte dos historiadores, a paisagem política urbana do Norte no final dos anos 1950 foi ofuscada pela luta do Sul; afinal, o Sul era onde as câmeras de TV estavam antes dos tumultos. A terceira razão, é claro, tem a ver com uma conspiração geral de silêncio contra os elementos mais radicais do movimento negro pela liberdade, os movimentos e ativistas que falavam de revolução, socialismo e autodeterminação, e olhavam para o Terceiro Mundo em busca de modelos de libertação negra nos Estados Unidos. Esses movimentos, embora muitas vezes pequenos e às vezes isolados, confundem nossa narrativa do movimento negro pela liberdade, pois eram independentes tanto da esquerda branca quanto do movimento dominante pelos direitos civis. Direcionando grande parte de sua atenção para as lutas da classe trabalhadora, pobreza urbana, racismo e brutalidade policial, grupos pouco conhecidos como o Movimento de Ação Revolucionária (Revolutionary Action Movement, RAM) também foram influenciados por levantes e revoluções na África, Ásia e América Latina. Seguindo o exemplo de Malcolm X, Vicki Garvin, Robert Williams, Harold Cruse e outros, os militantes do RAM procuraram compreender a condição afro-americana por meio de uma análise do capitalismo global, do imperialismo e da libertação do Terceiro Mundo muito antes dos motins de meados 1960s. Em outras palavras, uma visão de revolução de classe global liderada por pessoas de cor oprimidas não foi uma consequência do fracasso do movimento pelos direitos civis, mas existiu ao lado, às vezes em tensão, com as ideias principais do movimento. Parafraseando Malcolm X, os radicais negros não estavam interessados em se integrar a uma casa em chamas; eles queriam uma transformação revolucionária e reconheceram que tal revolução estava inextricavelmente ligada às lutas dos povos colonizados em todo o mundo.

 

O espectro de uma tempestade

 

Como aprendemos no capítulo anterior, os radicais negros viam o emergente movimento pela liberdade nos Estados Unidos como parte de um ataque global ao império. Inspirados em parte pelo encontro histórico de 1955 de nações não alinhadas em Bandung, Indonésia - principalmente ex-colônias que seguiram um caminho independente da influência americana ou soviética - os radicais afro-americanos estavam genuinamente entusiasmados com a possibilidade de aliados no Terceiro Mundo que poderiam apoiar seus próprios movimentos locais.  Alguns ouviram a ideia de uma aliança negra americana com o mundo não alinhado no jovem Malcolm X, que fez um discurso já em 1954 comparando a situação no Vietnã com a da rebelião Mau Mau no Quênia colonial. A rebelião Mau Mau foi uma revolta do Exército de Liberdade e Terras, predominantemente Kikuyu, que empreendeu um movimento armado durante o início dos anos 1950 para expulsar os colonos britânicos das terras dos Kikuyus. Na opinião de Malcolm, ambos os movimentos foram revoltas das “raças escuras” e, portanto, parte de uma "onda gigante" contra o imperialismo americano e europeu. Na verdade, a África continuou sendo seu principal foco político fora da América negra. Ele visitou o Egito, Sudão, Nigéria e Gana em 1959, bem antes de sua famosa viagem à África e ao Oriente Médio em 1964. E quando Fidel Castro, o novo presidente cubano e líder da revolução, visitou a ONU pela primeira vez em 1960 e decidiu se mudar de um hotel no centro para o Hotel Theresa do Harlem, Malcolm foi um dos primeiros a cumprimentá-lo.

Bem mais de um ano antes da marcha de 1963 sobre Washington, o crítico, ativista e ex-comunista Harold Cruse parecia estar no controle quando sugeriu que as revoluções cubana, chinesa e africana influenciaram o pensamento radical entre os negros estadunidenses. Em um ensaio provocativo publicado no New Leader, Cruse escreveu que a nova geração olhava para o antigo mundo colonial em busca de liderança:

“Eles já têm um panteão de heróis modernos - Lumumba, Kwame Nkrumah, Sekou Toure na África; Fidel Castro na América Latina; Malcolm X, o líder muçulmano, em Nova York; Robert Williams no Sul; e Mao Tse-tung na China. Esses homens parecem heroicos aos afro-americanos não por causa de sua filosofia política, mas porque foram ex-colonizados que conquistaram a independência completa ou porque, como Malcolm X, ousaram olhar a comunidade branca de frente e dizer: ‘Não achamos que sua civilização valha o esforço de qualquer homem negro para tentar se integrar.’ Para muitos afro-americanos, isso é um ato de desafio verdadeiramente revolucionário.”

As revoluções em Cuba, África e China tiveram um efeito semelhante no poeta, dramaturgo e crítico Amiri Baraka. Como Baraka explicou, "Kwame Nkrumah de Gana ergueu a estrela negra sobre a casa do governo em Acra, e os pronunciamentos de Nkrumah e a palavra de seus atos foram um incentivo brilhante para as pessoas de cor em todo o mundo. Quando os chineses explodiram sua primeira bomba atômica, escrevi um poema dizendo, na verdade, que o tempo dos povos de cor havia voltado”. Baraka, junto com Cruse e vários outros intelectuais negros, visitou Cuba em 1960 e voltou para casa transformado. “Eu carreguei tanto comigo”, lembrou ele em sua autobiografia, “que nunca mais fui o mesmo. A dinâmica da revolução havia me tocado”. Ao retornar, publicou um importante ensaio, “Cuba Libre”, na Evergreen Review, que desafiou sua geração de artistas a se envolver em movimentos radicais.

A matriz Gana-China talvez seja mais bem representada na carreira de Vickie Garvin, uma radical obstinada que viajou pelos círculos esquerdistas negros do Harlem durante o período do pós-guerra. Criada em uma família negra da classe trabalhadora em Nova York, Garvin passou os verões trabalhando na indústria de roupas para complementar a renda de sua família. Já em seus dias de colégio, ela se tornou ativa na política de protesto negro, apoiando os esforços de Adam Clayton Powell Jr. para obter empregos com melhores salários para afro-americanos no Harlem e criando clubes de história negra dedicados à construção de recursos para bibliotecas. Depois de ganhar seu bacharelado em ciência política pelo Hunter College e um mestrado em economia pelo Smith College, ela passou os anos da guerra trabalhando para o Conselho Nacional de Trabalho durante a Guerra  (National War Labor Board) e continuou como organizadora do Trabalhadores Unidos de Escritórios e Profissionais da América (United Office and Professional Workers of America) – Congresso de Organizações Industriais (Congress of Industrial Organizations) (UOPWA- CIO) e como diretora nacional de pesquisa e co-presidente do Fair Employment Practices Committee. Durante os expurgos pós-guerra da esquerda no CIO, Garvin foi uma voz forte de protesto e um crítico ferrenho do fracasso do CIO em se organizar no sul. Como secretária executiva da seção de Nova York do Conselho Nacional de Trabalho Negro (National Negro Labour Council) e vice-presidente da organização nacional, Garvin estabeleceu laços estreitos com Malcolm X e o ajudou a organizar parte de sua viagem à África.

Garvin juntou-se ao êxodo intelectual negro para Gana de Nkrumah, onde ela inicialmente morou com a poetisa Maya Angelou e acabou se mudando para uma casa próxima a W.E.B. Du Bois. Ela passou dois anos em Accra, cercada por vários intelectuais e artistas negros importantes, incluindo Julian Mayfield, o artista Tom Feelings e o cartunista Ollie Harrington. Como uma radical que ensinava inglês coloquial para o núcleo diplomático cubano, argelino e chinês em Gana, ela achava difícil não desenvolver uma visão profundamente internacionalista. As conversas com Du Bois durante seus últimos dias em Gana apenas reforçaram seu internacionalismo e despertaram seu interesse pela Revolução Chinesa. De fato, por meio de Du Bois, Garvin conseguiu um emprego como “polidor” para as traduções para o inglês da Peking Review e um cargo de professor no Instituto de Língua Estrangeira de Xangai. Ela permaneceu na China de 1964 a 1970, construindo pontes entre a luta pela liberdade dos negros, os movimentos de independência africanos e a Revolução Chinesa.

O poeta e veterano radical Ramon Durem aprendeu suas primeiras lições de solidariedade internacional nos campos de batalha da Espanha, mais de duas décadas antes da Revolução Cubana. Como muitos de seus camaradas negros, ele acreditava que lutar em defesa da Espanha republicana contra os fascistas de Franco (1936-39) era uma forma de vingar a Etiópia pela invasão sangrenta de Mussolini em 1935. Durem esperava que depois da Segunda Guerra Mundial a esquerda devotasse suas energias ao movimento negro pela liberdade, mas ficou desapontado. “No final da Segunda Guerra Mundial”, escreveu ele, “descobri que mesmo os radicais brancos não estavam interessados em uma solução radical para a Questão do Negro”. Embora Durem tenha abraçado o nacionalismo negro, seu compromisso com o internacionalismo não pareceu ceder. Já em 1962, ele compartilhou a visão de Cruse de que a ascensão do nacionalismo negro urbano era "parte da revolução colonial mundial em geral". Seu poema, “Hipping the Hip” é ainda mais revelador. Uma crítica da geração Beat e sua falsa alegação de radicalismo, ele sugeriu olhar para a África e a China para possíveis alternativas:

Hipping the Hip

Bebida

não vale

e Heroína

não paga

Eu acho que revolução

é o único jeito

Blues – é uma lágrima

Bop – é um medo

de realidade

Não tem lugar para esconder

numa trompa

O chinês pode ser manco

mas não são domados

Mau Mau só tem uma escala de cinco tons

mas quando se trata de Liberdade, Jim—

eles mandam muito!

sacou?

Como a África, a China estava em movimento e havia uma sensação geral de que os chineses apoiavam os movimentos de libertação em todo o mundo negro, inclusive nos Estados Unidos. Em 1957, dois anos após o encontro histórico de nações não alinhadas em Bandung, a China formou a Organização de Solidariedade do Povo Afro-Asiático (Afro-Asian People’s Solidarity Organization). Mao não apenas convidou W.E.B. Du Bois para passar seu nonagésimo aniversário na China, mas três semanas antes da grande marcha sobre Washington em 1963, Mao emitiu uma declaração criticando o racismo americano e classificando o movimento de liberdade afro-americano como parte da luta mundial contra o imperialismo. “O sistema maligno de colonialismo e imperialismo”, afirmou Mao, “surgiu e prosperou com a escravidão dos negros e o comércio de negros, e certamente chegará ao seu fim com a emancipação completa do povo negro”. Uma década depois, o romancista John Oliver Killens ficou impressionado com o fato de que vários de seus próprios livros, bem como obras de outros escritores negros, foram traduzidos para o chinês e amplamente lidos por estudantes. Onde quer que fosse, ao que parecia, ele encontrava jovens intelectuais e trabalhadores “tremendamente interessados no movimento negro e em como a arte e a literatura dos negros refletiam esse movimento”.

O status dos chineses como pessoas de cor serviu como uma ferramenta política poderosa para mobilizar o apoio de africanos e afrodescendentes. Em 1963, por exemplo, delegados chineses em Moshi, Tanzânia, proclamaram que os russos não tinham negócios na África porque eram brancos. Os chineses, por outro lado, não só faziam parte do mundo negro como, ao contrário dos europeus, nunca participaram do comércio de escravos. Claro, a maioria dessas reivindicações servia para facilitar a construção de alianças. O fato é que escravos africanos podiam ser encontrados em Guangzhou durante o século XII e os estudantes africanos na China comunista ocasionalmente reclamavam de racismo. (De fato, após a morte de Mao, confrontos raciais nos campi universitários ocorreram com mais frequência, principalmente em Xangai em 1979, Nanjing em 1980 e Tianjin em 1986.) Além disso, a política externa chinesa em relação ao mundo negro era frequentemente impulsionada mais por considerações estratégicas do que por um compromisso com os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, especialmente após a cisão sino-soviética. A posição anti-soviética da China resultou em decisões de política externa que, em última análise, minaram a posição da China em relação a certos movimentos de libertação africanos. No sul da África, por exemplo, os chineses apoiaram movimentos que também receberam apoio do regime de apartheid da África do Sul!

Apesar da política externa equivocada da China em relação à África, incontáveis radicais negros daquela época consideravam a China, não diferente de Cuba ou Gana ou mesmo Paris, como a terra onde a verdadeira liberdade poderia ser alcançada. Não era perfeito, mas era muito melhor do que viver na barriga da besta. Quando a líder dos Panteras Negras, Elaine Brown, visitou Pequim no outono de 1970, ela ficou agradavelmente surpresa com o que a revolução chinesa havia alcançado em termos de melhoria de vida das pessoas. “Velhos e jovens dariam espontaneamente testemunhos emocionantes, como os convertidos batistas, das glórias do socialismo”. Um ano depois, ela voltou com o fundador dos Panteras Negras, Huey Newton, que descreveu sua experiência na China como uma "sensação de liberdade - como se um grande peso tivesse sido tirado de minha alma e eu fosse capaz de ser eu mesma, sem defesa ou pretensão ou a necessidade de explicação. Eu me senti absolutamente livre pela primeira vez na minha vida - completamente livre entre meus semelhantes”.

Mais de uma década antes de Brown e Newton pisarem em solo chinês, W. E. B. Du Bois considerava a China, junto com a África, um “gigante adormecido” pronto para liderar as raças de cor na luta mundial contra o imperialismo. Ele havia viajado para lá pela primeira vez em 1936 - antes da guerra e da revolução - durante uma longa visita à União Soviética. Retornando em 1959, quando era ilegal viajar para a China, Du Bois descobriu um novo país. Ele ficou impressionado com a transformação dos chineses, em particular o que considerava a emancipação das mulheres, e saiu convencido de que a China lideraria as nações subdesenvolvidas no caminho do socialismo. “A China depois de longos séculos”, disse ele a uma audiência de comunistas chineses que compareceram à celebração de seu nonagésimo primeiro aniversário, “levantou-se e saltou para a frente. África surja e fique em linha reta, fale e pense! Agir! Afaste-se do Ocidente e de sua escravidão e humilhação pelos últimos quinhentos anos e enfrente o sol nascente”.

Em suma, a China ofereceu aos radicais negros um modelo marxista “de cor” ou do Terceiro Mundo que lhes permitiu desafiar uma visão branca e ocidental da luta de classes - um modelo que moldaram e remodelaram para se adequar às suas próprias realidades culturais e políticas. Embora o papel da China fosse contraditório e problemático em muitos aspectos, o fato de os camponeses chineses, em oposição ao proletariado europeu, terem feito uma revolução socialista e conquistado uma posição na política mundial distinta dos campos soviético e norte-americano dotou os radicais negros de uma visão mais profunda de importância e poder revolucionários. Finalmente, Mao não apenas provou aos negros de todo o mundo que eles não precisam esperar por “condições objetivas” para fazer a revolução, mas sua elevação da luta cultural também moldou profundamente os debates em torno das artes negras e da política.

 

“A vindoura revolução negra”

 

Para o futuro líder do Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party), Huey Newton, a revolução africana parecia ainda menos crucial do que os eventos em Cuba e na China. Como estudante no Merritt College no início dos anos 1960, ele leu um pouco sobre existencialismo, começou a frequentar reuniões patrocinadas pelo Partido Trabalhista Progressivo (Progressive Labor Party) e apoiou a Revolução Cubana. Não é de surpreender que Newton tenha começado a ler vorazmente a literatura marxista. Mao, em particular, deixou uma impressão duradoura: “Minha conversão foi concluída quando li os quatro volumes de Mao Tse-tung para aprender mais sobre a Revolução Chinesa.” Assim, bem antes da fundação do BPP, Newton estava imerso no pensamento de Mao, bem como nos escritos de Che Guevara, o revolucionário cubano e teórico dos movimentos de guerrilha, e Frantz Fanon, o psiquiatra nascido em Martinica que se mudou para a Argélia e participou do revolução lá. Fanon ficou conhecido por dois livros, Pele Negra, Máscaras Brancas (Black Skin, White Masks) e Os Condenados da Terra (The Wretched of the Earth), ambas reflexões sobre o impacto social, cultural, econômico e psicológico do colonialismo. “Mao, Fanon e Guevara viram claramente que o povo havia sido despojado de seu direito de nascença e de sua dignidade, não por uma filosofia ou meras palavras, mas sob a mira de uma arma. Eles sofreram assalto por gangsters e estupros; para eles, a única maneira de ganhar a liberdade era enfrentar força com força”.

A disposição dos chineses e cubanos de "enfrentar a força com força" também tornou essas revoluções atraentes para os radicais negros na era da resistência passiva não violenta. É claro que o movimento sulista teve sua parcela de ativistas armados, com grupos como o movimento Diáconos para Defesa e Justice (Deacons for Defense and Justice) e o Movimento de Cambridge de Glória Richardson, que defendia manifestantes não violentos quando necessário. Mas a figura que melhor personificou as tradições negras de autodefesa armada foi Robert Williams, um herói para a nova onda de internacionalistas negros, cuja importância quase rivalizava com a de Malcolm X. Ex-fuzileiro naval dos EUA com amplo treinamento militar, Williams ganhou notoriedade em 1957 por formar grupos armados de autodefesa em Monroe, Carolina do Norte, para lutar contra a Ku Klux Klan (KKK). Na época, Williams, o presidente local da Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor (National Association for the Advancement of Colored People, NAACP), e o Dr. Albert Perry, chefe do Conselho de Relações Humanas do Condado de Union, (Union County Council on Human Relations) estavam engajados em uma campanha não violenta para dessegregar as piscinas da cidade. A Klan tentou intimidar os ativistas do movimento com bombas incendiárias e atirando em casas de negros, o que levou Williams a organizar grupos armados de autodefesa. Aparentemente, seus esforços foram eficazes. Quando uma caravana da Klan tentou atirar na casa do Dr. Perry, os homens posicionados para proteger o Dr. Perry responderam ao fogo, forçando os homens da Klan a recuar. Os ataques pararam repentinamente e a presença de grupos armados de autodefesa na comunidade negra de Monroe trouxe uma queda dramática nos incidentes de violência. Dois anos depois, a declaração de Williams de que os negros devem "enfrentar a violência com violência" como a única maneira de acabar com a injustiça em um Sul incivilizado levou à sua suspensão como presidente da seção Monroe da NAACP.

A ruptura de Williams com a NAACP e sua defesa aberta da autodefesa armada empurraram-no ainda mais para a esquerda, na órbita do Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party), do Partido Mundial dos Trabalhadores (Workers World Party) e de alguns membros do antigo Partido Comunista dos Estados Unidos (Communist Party of the United States, CPUSA). No entanto, Williams teve contato com comunistas desde seus dias como trabalhador da indústria automobilística em Detroit, na década de 1940. Ele não apenas leu o Daily Worker [jornal do CPUSA], mas publicou uma história em suas páginas chamada “Some Day I Am Going Back South” (Um dia eu vou voltar para o Sul). Williams também era um tipo de intelectual amador e autodidata, tendo estudado no West Virginia State College, no North Carolina College e no Johnson C. Smith College. No entanto, suas associações de esquerda mais recentes o levaram a Cuba e ao Comitê de Jogo Limpo para Cuba (Fair Play for Cuba Committee). Ao retornar de sua primeira viagem em 1960, ele içou a bandeira cubana em seu quintal e publicou uma série de artigos em sua publicação mimeografada, The Crusader, sobre a transformação da vida dos trabalhadores em Cuba como resultado da revolução. Em um de seus editoriais publicados em agosto de 1960, Williams insistiu que a luta dos afro-americanos pela liberdade "está relacionada às lutas dos africanos, dos cubanos, de todos os latino-americanos e asiáticos pela autodeterminação". Seu apoio à Revolução Chinesa também ficou evidente nas páginas da The Crusader; ele enfatizou a importância da China como um farol de força para os movimentos de justiça social em todo o mundo. Como Baraka, Williams notou a detonação de uma bomba atômica na China em 1960 como uma ocasião histórica para os oprimidos. “Com a bomba”, escreveu ele, “a China será respeitada e dará uma voz poderosa àqueles que já imploram por justiça tanto para os negros quanto para os brancos”.

Em 1961, como resultado de acusações forjadas de sequestro e de um mandado federal para sua prisão, Williams, sua esposa Mabel e seus filhos foram forçados a fugir do país e buscar asilo político em Cuba. Durante os quatro anos seguintes, Cuba se tornou a base de Williams para promover a revolução negra mundial e elaborar uma ideologia nternacionalista que abraçou o nacionalismo negro e a solidariedade ao Terceiro Mundo. Com o apoio de Fidel Castro, Williams apresentou um programa de rádio chamado “Radio Free Dixie” dirigido aos afro-americanos, continuou a editar The Crusader (que agora havia progredido de um mimeógrafo para uma revista completa) e completou seu livro Negroes with Guns (negros com Armas, 1962. Ele não se identificou, entretanto, como marxista. Ao mesmo tempo, ele rejeitou o rótulo de “nacionalista”, chamando-se, em vez disso, de “internacionalista”: “Quer dizer, estou interessado nos problemas da África, da Ásia e da América Latina. Eu acredito que todos nós temos a mesma luta; uma luta pela libertação”.

Williams se lembra de ter tido boas relações com Fidel, mas diferenças políticas sobre raça levaram a um desentendimento entre ele e os comunistas cubanos. “O Partido ”, lembrou Williams,“ afirmava que era estritamente uma questão de classe e que, uma vez que o problema de classe fosse resolvido por meio de uma administração socialista, o racismo seria abolido”. Williams não apenas discordou, mas se aproximou muito de Che Guevara, que personificava muito do que Williams vinha defendendo o tempo todo: solidariedade ao Terceiro Mundo, o uso da luta armada e um profundo e inabalável interesse pela revolução africana. A ruptura formal de Che com o Partido Comunista Soviético ocorreu quando, dirigindo-se à Organização para a Solidariedade Afro-Asiática em Argel em fevereiro de 1965, acusou a URSS de ser um "cúmplice tácito do imperialismo" por não negociar exclusivamente com o bloco comunista e por não oferecer aos países socialistas subdesenvolvidos ajuda sem qualquer pensamento de retorno. Ele também atacou o governo soviético por sua política de coexistência pacífica. Embora Fidel e Che discordassem, eles continuaram a trabalhar juntos, e Guevara concentrou sua atenção na internacionalização do movimento socialista revolucionário com a bênção de Fidel. Em 1965, ele liderou um pequeno exército para o Congo, em uma tentativa fracassada de apoiar um movimento dissidente ali, e dois anos depois ele e seus homens juntaram-se às forças de guerrilha na Bolívia, onde foi capturado e executado. Parece claro que o compromisso de Che com o internacionalismo, bem como suas inclinações em relação à China, influenciou a decisão de Robert e Mabel Williams de deixar Cuba e ir para Pequim em 1966.

Como um revolucionário exilado na China durante sua era mais tumultuada, Williams previu que rebeliões urbanas nos guetos da América transformariam o país. Embora se possa argumentar que, ao publicar a Crusader de Cuba e depois da China, Williams teve um contato muito limitado com o movimento negro pela liberdade nos Estados Unidos, sua revista alcançou uma nova geração de jovens militantes negros pelo correio e promoveu a visão da revolução negra mundial articulado por críticos como Harold Cruse. O fato é que o exemplo da Crusader e do próprio Williams compeliu um pequeno grupo de intelectuais e ativistas radicais negros a formar o que pode ser vagamente chamado de a primeira organização negra influenciada pelos maoístas da história: o Movimento de Ação Revolucionária (Revolutionary Action Movement, RAM).

O voo de Robert Williams para Cuba acabou sendo um grande catalisador para a criação do RAM. Em Ohio, por volta de 1961, membros negros do Estudantes para uma Sociedade Democrática (Students for a Democratic Society, SDS), bem como ativistas dos direitos civis no SNCC e CORE, se reuniram em um pequeno grupo para discutir a importância do trabalho de Williams em Monroe e seu subsequente exílio. Liderado por Donald Freeman, um estudante negro da Case Western Reserve University em Cleveland, o núcleo principal do grupo consistia em uma organização recém-formada por alunos do Central State College em Wilberforce que se autodenominavam Desafio (Challenge). Os membros do Challenge ficaram especialmente entusiasmados com o ensaio de Harold Cruse de 1962 "O Nacionalismo Revolucionário e o Afro-Americano" (Revolutionary Natonalism and the African American), que circulou amplamente entre jovens militantes negros. Nele, ele argumentou que os negros nos Estados Unidos viviam sob o colonialismo doméstico e que suas lutas deveriam ser vistas como parte do movimento anticolonial mundial. “O fracasso dos marxistas estadunidenses”, escreveu ele, “em entender o vínculo entre o negro e os povos coloniais do mundo levou ao fracasso em desenvolver teorias que seriam valiosas para os negros nos Estados Unidos”. Ele inverteu o argumento tradicional de que o sucesso do socialismo no Ocidente desenvolvido foi a chave para a emancipação dos súditos coloniais e o desenvolvimento do socialismo no Terceiro Mundo. Em vez disso, ele viu as ex-colônias como a vanguarda da revolução; na vanguarda desta nova revolução socialista estavam Cuba e China. “A iniciativa revolucionária passou para o mundo colonial, e nos Estados Unidos está passando para o Negro, enquanto os marxistas ocidentais teorizam, contemporizam e debatem”.

Inspirado pela interpretação de Cruse do colonialismo doméstico e pela importância global da luta pela liberdade dos negros, Freeman esperava transformar o Challenge em um movimento nacionalista revolucionário possuidor da disciplina, organização e ideologia pró-negros da Nação do Islã (Nation of Islam), mas que se engajaria em sit-ins, marchas e vários atos de desobediência civil. Após um longo debate, os membros do Challenge decidiram dissolver a organização na primavera de 1962 e formar o RAM, liderado principalmente por Freeman, Max Stanford e Wanda Marshall. Inicialmente, o grupo se autodenominou Movimento de Ação da Reforma para não alarmar a administração, mas assim que decidiu manter o RAM como uma organização semi-subterrânea, mudou o nome e decidiu se tornar uma pequena e seleta vanguarda do movimento de libertação negra.

Freeman e os membros do RAM em Cleveland continuaram a trabalhar publicamente por meio do Instituto Afro-Americano (Afro-American Institute), um think tank ativista orientado para políticas formado no outono de 1962. Sob a direção de Freeman, seu conselho - apelidado de Círculo de Almas (Soul Circle) - consistia em um pequeno grupo de homens negros ligados a organizações comunitárias, sindicatos e direitos civis e grupos estudantis. Membros do conselho como Henry Glover, Arthur Evans, Nate Bryant e Hanif Wahab deram palestras sobre história e política africanas e organizaram fóruns para debater o futuro do movimento pelos direitos civis, a participação negra na política de Cleveland e as condições econômicas dos negros urbanos. O instituto até recrutou o grande baterista Max Roach para ajudar a organizar um painel sobre “O Papel do Artista Negro na Luta pela Liberdade” (The Role of the Black Artist in the Struggle for Freedom). Os membros do instituto também usaram folhetos e panfletos para influenciar o pensamento da comunidade negra em uma série de questões locais e internacionais. Tratados de “A quem possa interessar”, esses pequenos envios visavam estimular a discussão e oferecer à comunidade negra posições sobre temas urgentes como “eleições, renovação urbana, subserviência econômica negra, a 'corrida armamentista' e a luta no sul”. Em um ano, o instituto passou de panfletos para um boletim informativo completo intitulado Afropinion. Por meio do Afro-American Institute, os membros do RAM em Cleveland trabalharam com ativistas do CORE e outros organizadores da comunidade para exigir melhorias no atendimento hospitalar para pacientes negros e para protestar contra a exclusão da história africana e afro-americana do currículo da escola pública. A campanha mais importante de 1963 foi a defesa de Mae Mallory, uma mulher negra que estava detida na prisão do condado de Cleveland por associação com Robert Williams em Monroe, Carolina do Norte. Logo após o voo de Williams para Cuba, Mallory foi presa em Ohio e aguardava acusações de extradição. O instituto e seus aliados, incluindo a Nação do Islã em Cleveland, solicitaram ao governador de Ohio que revogasse o mandado de extradição e organizou uma manifestação em massa na frente da prisão do condado exigindo a libertação imediata de Mallory.

No norte da Califórnia, a RAM cresceu principalmente a partir da Associação Afro-americano (AfroAmerican Association, AAA). Fundada por Donald Warden em 1962, a Associação Afro-americano consistia em alunos da Universidade da Califórnia em Berkeley e Merritt College - muitos dos quais, como Leslie e Jim Lacy, Cedric Robinson, Ernest Allen e Huey Newton, continuariam a desempenhar papéis importantes como ativistas radicais e intelectuais. Em Los Angeles, o presidente da AAA era um jovem chamado Ron Everett, que mais tarde mudou seu nome para Ron Karenga e fundou a US Organization. A AAA rapidamente desenvolveu uma reputação como um grupo de intelectuais militantes dispostos a debater com qualquer um. Ao desafiar professores, debater grupos como a Aliança de Jovem Socialistas (Young Socialist Alliance) e dar palestras públicas sobre a história e cultura negra, esses jovens deixaram uma profunda impressão nos colegas estudantes, bem como na comunidade negra. Em East Bay, onde a tradição de palestrantes da rua morrera na década de 1930, exceto em campanhas individuais guiadas pelo Congresso de Direitos Civis (Civil Rights Congress) liderado pelos comunistas no início dos anos 1950, a AAA estava provando na palavra e na prática que uma vibrante, altamente visível, cultura intelectual militante poderia existir.

Enquanto isso, o Movimento Trabalhista Progressivo (PL) começou a patrocinar viagens a Cuba e recrutou vários estudantes negros radicais em East Bay para se juntar a ele. Entre eles estava Ernest Allen, um estudante transferido da Merritt College para a Universidade da Califórnia em Berkeley que havia atuado na AAA. Um garoto da classe trabalhadora de Oakland, Allen fazia parte de uma geração de radicais negros cuja insatisfação com a estratégia de resistência passiva não violenta do movimento pelos direitos civis os aproximou de Malcolm X e dos movimentos de libertação do Terceiro Mundo. Não surpreendentemente, por meio de sua viagem a Cuba em 1964, ele descobriu a RAM. Os companheiros de viagem de Allen incluíam um contingente de militantes negros de Detroit: Luke Tripp, Charles ("Mao") Johnson, Charles Simmons e General Baker. Todos eram membros do grupo estudantil Uhuru e todos desempenharam papéis importantes na formação da Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários (League of Revolutionary Black Workers), um grupo radical de trabalhadores formado a partir de uma série de greves ilegais na indústria automobilística de Detroit. Incrivelmente, o líder do RAM, Max Stanford, já estava na ilha visitando Robert Williams. Quando chegou a hora de voltar aos Estados Unidos, Allen e o grupo de Detroit se comprometeram a construir o RAM. Allen parou em Cleveland para se encontrar com os membros do RAM em sua viagem de ônibus de volta a Oakland. Armado com cópias da revista Crusader de Robert Williams e material relacionado do RAM, Allen voltou a Oakland com a intenção de estabelecer a presença do RAM na East Bay. Não mais do que um punhado de pessoas, pessoas como Isaac Moore, Kenn Freeman (Mamadou Lumumba), Bobby Seale (futuro fundador do BPP) e Doug Allen (irmão de Ernie) estabeleceram uma base no Merritt College por meio do Conselho Consultivo de Estudantes de Soul (Soul Students Advisory Council). A presença intelectual e cultural do grupo, no entanto, foi amplamente sentida. Allen, Freeman e outros fundaram um jornal chamado Soulbook: The Revolutionary Journal of the Black World (Soulbook: O Jornal Revolucionário do Mundo Negro), que publicou prosa e poesia que foi melhor descrita como de orientação nacionalista negra de esquerda. Freeman, em particular, era altamente respeitado entre os ativistas do RAM e amplamente lido. Ele constantemente pressionava seus membros a pensar sobre a luta negra em um contexto global. Os editores do Soulbook também desenvolveram laços com os radicais negros da Velha Esquerda, principalmente o ex-comunista Harry Haywood, cujo trabalho publicaram em uma das primeiras edições.

Embora o RAM tenha se estabelecido no norte da Califórnia e em Cleveland, Ohio, em 1964 a Filadélfia parecia ser a base do RAM. Afinal, foi na Filadélfia que a RAM manteve uma existência aberta, operando com seu próprio nome em vez de uma variedade de organizações de fachada. A força da seção da Filadélfia tem muito a ver com o fato de que também foi a casa de Max Stanford, organizador nacional do RAM. Da Filadélfia, o RAM publicou um jornal bimestral chamado Black America e um boletim informativo de uma página chamado RAM Speaks (RAM Fala); fez planos para construir um movimento nacional orientado para o nacionalismo revolucionário, organização da juventude e autodefesa armada; e recrutou vários ativistas da Filadélfia para o grupo, incluindo Ethel Johnson (que também havia trabalhado com Robert Williams em Monroe), Stan Daniels e Playthell Benjamin. Posteriormente, o RAM recrutou um grupo de jovens militantes da Filadélfia que viriam a desempenhar papéis-chave em organizações radicais, incluindo Michael Simmons - um dos autores do famoso "Black Consciousness Paper" do SNCC - cuja resistência ao recrutamento resultou em dois anos e meio de pena de prisão, e Tony Monteiro, que se tornou uma figura nacional de destaque no CPUSA nas décadas de 1970 e 1980.

No início, parecia que os líderes do RAM não estavam todos de acordo sobre a utilidade do marxismo para a libertação negra. Na verdade, evidências circunstanciais sugerem que a liderança da Filadélfia estava à esquerda de pessoas como Warden na Califórnia e Freeman em Ohio. Freeman fez um apelo por empresas negras de propriedade coletiva "a fim de eliminar a subjugação total ao capitalismo branco", mas insistiu que os "socialistas e marxistas brancos não possuem as soluções para os males da América negra". Warden foi ainda menos ambivalente sobre o capitalismo negro: “Devemos desenvolver nossos próprios negócios planejados onde a eficiência, a economia e o sacrifício são enfatizados. . . . O capital para essas indústrias também está disponível em nossa própria comunidade, se puder ser desviado do consumo de álcool, cremes clareadores e Cadillacs de pregadores”. Por outro lado, não podemos assumir que a posição de Warden era representativa de toda a Associação da Califórnia, pois, como Ernie Allen nos lembra e as páginas do Soulbook indicam, as ideias de Warden eram constantemente desafiadas pela esquerda.

Em meados de 1964 e no início de 1965, a ala esquerda do RAM havia claramente vencido. Sob a liderança de Max Stanford, o RAM proclamou sua adesão ao "pensamento marxista-leninista de Mao Tse-tung" aplicado às condições dos negros. Eles também alegaram ser a primeira organização a promover “a teoria de que o movimento de libertação negra nos Estados Unidos fazia parte da vanguarda da revolução socialista mundial”. A maior virada para a esquerda do RAM pode ser atribuída em parte aos seus mentores ideológicos, que em alguns aspectos uniram o radicalismo das décadas de 1930 e 1940 e a Nova Esquerda negra. Além de Robert Williams, jovens militantes do RAM buscaram orientação política de uma série de ex-comunistas negros que haviam sido expulsos por "ultraesquerdismo" ou "nacionalismo burguês" ou haviam fugido do Partido por causa de seu "revisionismo". Entre esse grupo de anciãos estavam Harold Cruse, Harry Haywood, Abner Berry e a "Rainha Mãe" Audley Moore. Na verdade, Moore se tornaria um dos mentores mais importantes do RAM na Costa Leste, oferecendo aos membros treinamento em pensamento nacionalista negro e marxismo. A casa da Rainha Mãe na Filadélfia, que ela carinhosamente chamou de Monte Addis Abeba, serviu praticamente como uma escola para uma nova geração de jovens radicais negros. Ela fundou o Partido Afro-Americano de Libertação Nacional (African-American Party of National Liberation) 1963, que formou um governo provisório e elegeu Robert Williams como primeiro-ministro no exílio. O RAM também recorreu aos lendários ex-trotskistas de Detroit, James e Grace Lee Boggs, ex-camaradas de C. L. R. James, cujos escritos marxistas e pan-africanistas influenciaram muito os membros doa RAM, bem como outros ativistas da Nova Esquerda. Na verdade, James Boggs atuou brevemente como presidente ideológico do RAM, de meados de 1964 a janeiro de 1965.

Outra fonte de atração do RAM para o marxismo revolucionário foram os levantes urbanos que começaram a ocorrer durante o verão de 1964. Embora moradias inadequadas, desemprego, serviços municipais precários, escolas precárias e a falta de negócios de propriedade de negros agravassem as condições nos guetos urbanos o catalisador para a maioria dessas rebeliões foi um ato de má conduta policial. Entre 1964 e 1972, distúrbios eclodiram em cerca de 300 cidades, envolvendo cerca de meio milhão de afro-americanos e resultando em 250 mortes, cerca de 10.000 feridos graves e milhões de dólares em danos materiais. A polícia e a Guarda Nacional transformaram bairros negros em zonas de guerra, prendendo pelo menos 60.000 pessoas e empregando tanques, metralhadoras e gás lacrimogêneo para pacificar a comunidade. Mesmo antes da onda de tumulto, os militantes do RAM leram o ensaio profético de Robert Williams no Crusader intitulado “EUA: O potencial de uma revolução minoritária” (The Potential of a Minority Revolution). Suas palavras foram portentosas: “Este ano de 1964 será violento, a tempestade atingirá proporções de furacão em 1965 e o olho do furacão pairará sobre a América em 1966. A América é uma casa em chamas - LIBERDADE AGORA! - ou deixe-a queimar, deixe-a queimar. Louvado seja o Senhor e passe a munição!!”. Ele descreveu em detalhes que tipo de armas os guerrilheiros urbanos negros deveriam usar, como fazer bombas e lança-chamas caseiros e como derrubar os sistemas de comunicação. Em uma parte posterior do mesmo ensaio publicado quase três anos depois, as instruções de Williams para lançar uma rebelião no gueto foram ainda mais explícitas. Às vezes, ele parecia o protagonista de Freeman em The Spook Who Sat by the Door (O Espião que Sentava no Lado da Porta) de Sam Greenlee, um romance (e mais tarde filme) sobre um ex-agente negro da CIA que usou seu treinamento para transformar membros de gangue em um exército revolucionário. Ele informou a seus leitores como apertar um gatilho, pediu fogos seletivos "colocados em uma área ampla" e até sugeriu que os irmãos fossem enviados à África para "treinamento especializado na manufatura e uso do dardo venenoso".

As ideias de Williams podem ser facilmente descartadas como os discursos pueris de um aventureiro de poltrona, especialmente devido ao seu status de expatriado vivendo a meio mundo de distância do movimento. Mas devemos considerar o contexto para defender tais atos estridentes de violência. Os afro-americanos têm sido vítimas de violência desde que seus descendentes chegaram a essas praias como propriedade. Gerações viviam sob o domínio da elite branca violenta e, mesmo enquanto Williams escrevia esses artigos, ativistas negros, e até mesmo alguns brancos, estavam sendo brutalmente assassinados por seus esforços para trazer justiça social e igualdade no sul. Em 1964, o número de vítimas no movimento de liberdade do Sul estava aumentando - uma lista crescente que incluía quatro meninas com idades entre onze e quatorze anos. Addie Mae Collins, Denise McNair, Carole Robertson e Cynthia Wesley foram mortas em 15 de setembro de 1963, por uma bomba plantada por terroristas brancos sob a Igreja Batista da Sixteenth Street em Birmingham. Só no verão de 1964, durante a campanha do SNCC no Mississippi para registrar eleitores, terroristas brancos bombardearam trinta casas de negros, incendiaram trinta e cinco igrejas, espancaram pelo menos oitenta pessoas e assassinaram seis. Ninguém foi condenado. E, é claro, a própria experiência de Williams com a Klan na Carolina do Norte influenciou diretamente suas ideias sobre a necessidade de "enfrentar a violência com violência". Enquanto até os simpatizantes brancos mais liberais sofriam de amnésia histórica quando se tratava da história da violência racista, os afro-americanos da geração de Williams tinham ouvido histórias de ataques de multidões a comunidades negras, do massacre em Wilmington, Carolina do Norte em 1898 a o bombardeio do distrito comercial negro de Tulsa, Oklahoma, em 1921. Em julho de 1917, em East St. Louis, Illinois, por exemplo, turbas brancas (incluindo a polícia e milícias locais) massacraram residentes negros que acreditavam estarem pegando empregos para brancos. Eles dirigiram pela comunidade negra atirando indiscriminadamente de seus carros. Quando a fumaça se dissipou, pelo menos 150 residentes negros foram baleados, queimados, enforcados ou mutilados para o resto da vida, e cerca de seis mil foram expulsos de suas casas. Trinta e nove negros perderam a vida, incluindo crianças pequenas cujos crânios foram esmagados ou jogados em fogueiras. Como era característico de quase toda a violência da multidão branca antes da era dos direitos civis, ninguém foi punido por esses crimes.

O mesmo pode ser dito sobre a violência sancionada pelo Estado na forma de homicídios e espancamentos cometidos pela polícia. À medida que os incidentes de linchamento e violência popular diminuíram, os casos de brutalidade policial envolvendo vítimas negras aumentaram dramaticamente. Um estudo conduzido pelo Departamento de Justiça descobriu que no período de dezoito meses de janeiro de 1958 a junho de 1960, 34 por cento de todas as vítimas relatadas de brutalidade policial eram negras.

Dada a história e a realidade atual da violência racista nos Estados Unidos da América, não devemos nos surpreender que os líderes do RAM ecoaram os apelos de Williams por uma insurreição armada e buscaram inspiração e ideias diretamente em sua teoria da guerra de guerrilha nas áreas urbanas dos Estados Unidos, mesmo que nunca tenham tentado realizá-los. Deve ficar claro que os membros do RAM nunca tentaram implementar as estratégias militares de Williams e nunca envolveram a polícia ou qualquer outra pessoa em um confronto armado. Eles apenas escreveram sobre isso. Na impressão, pelo menos, a posição oficial do RAM era que uma guerra de guerrilha não só era possível, mas poderia ser vencida em noventa dias.  A combinação de caos em massa e disciplina revolucionária era a chave para a vitória. A edição do outono de 1964 da Black America previu o Armagedom:

“Homens e mulheres negras nas Forças Armadas desertarão e virão para se juntar às forças de Libertação Negra. Os brancos que afirmam querer ajudar a revolução serão enviados às comunidades brancas para dividi-las, lutar contra os fascistas e frustrar os esforços das forças contrarrevolucionárias. O caos estará em toda parte e com o colapso das comunicações de massa, o motim ocorrerá em grande número em todas as facetas do governo dos opressores. O mercado de ações cairá; Wall Street vai parar de funcionar; Washington, D.C. será dilacerada por motins. Funcionários de todos os lugares vão correr - correr para salvar suas vidas. Os George Lincoln Rockwell's, Kennedys, Vanderbilts, Hunts, Johnsons, Wallace's, Barnetts, etc., serão os primeiros a ir. A revolução vai ‘atacar à noite e não poupar ninguém’... A Revolução Negra usará a sabotagem nas cidades, cortando primeiro a energia elétrica, depois o transporte e a guerra de guerrilha no interior do sul. Com as cidades impotentes, o opressor ficará indefeso.”

O RAM não se preparou apenas para a guerra, mas também para a sociedade vindoura. Seu programa de doze pontos convocava o desenvolvimento de escolas de liberdade, organizações nacionais de estudantes negros, clubes de rifles, cooperativas de agricultores negros (não apenas para o desenvolvimento econômico, mas para manter "a comunidade e as forças de guerrilha trabalhando por um tempo") e um exército de guerrilha de libertação composta por jovens e desempregados. Eles também deram ênfase especial ao internacionalismo, prometendo apoio aos movimentos de libertação nacional na África, Ásia e América Latina, bem como a adoção do “socialismo pan-africano”. ”Em consonância com o ensaio seminal de Cruse, os membros do RAM se viam como súditos coloniais lutando uma "guerra colonial em casa". Como súditos coloniais com direito à autodeterminação, a RAM via a Afro-América como um membro de fato das nações não alinhadas. Eles até se identificaram como parte do "mundo de Bandung", chegando ao ponto de realizar uma conferência em novembro de 1964 em Nashville sobre "A relação da revolução negra com o mundo de Bandung". Em um artigo de 1965 publicado no jornal Black America do RAM, eles começaram a desenvolver uma teoria do "humanismo de Bandung" ou "internacionalismo negro revolucionário", que argumentava que a batalha entre o imperialismo ocidental e o Terceiro Mundo - mais do que a batalha entre trabalho e capital - representou a contradição mais fundamental de nosso tempo. Eles vincularam a luta pela liberdade afro-americana ao que estava acontecendo na China, Zanzibar, Cuba, Vietnã, Indonésia e Argélia, e caracterizaram seu trabalho como parte da estratégia internacional de Mao de cercar os países capitalistas ocidentais e desafiar o imperialismo. Essa posição foi repetida em um ensaio eloquente e particularmente comovente de Rolland Snellings, mais conhecido como Askia Muhammad Touré, o extraordinário poeta e líder do Movimento das Artes Negras (Black Arts Movement) intitulado “Juventude Afro-americana e o Mundo de Bandung” (Afro American Youth and the Bandung World). As rebeliões urbanas nos Estados Unidos foram lançadas em termos de uma rebelião internacional contra o imperialismo, onde “a América Negra se tornou uma só com os estudantes e o povo do Panamá, Venezuela, Japão, Vietnã do Sul, Congo e todos os povos coloniais em protesto contra a injustiça e a exploração por regimes fantoches originados ou aliados da América Branca, colosso do Ocidente”. Essas rebeliões não foram tragédias, mas celebrações, espaços temporariamente liberados semelhantes a zonas liberadas em que os oprimidos estão "Dançando nas Ruas!"

Depois de 1966, o termo “humanismo Bandung” foi totalmente abandonado e substituído por “internacionalismo negro”. Precisamente o que significava que o “internacionalismo negro” foi apresentado de uma forma incrivelmente ousada em um panfleto de trinta e seis páginas publicado pelo RAM em 1966 intitulado “A Revolução Negra Mundial” (The World Black Revolution). Ecoando o Manifesto Comunista (sua linha de abertura foi “Em toda a África, Ásia, Sul, Afro e América Central uma revolução está assombrando e varrendo. . . .”) o panfleto se identificava fortemente com a China tanto contra o capitalismo Ocidente e o império soviético. O “surgimento da China revolutioncária começou a polarizar as contradições de casta e classe dentro do mundo, tanto no campo imperialista burguesia [sic] como também no campo comunista-socialista burguês europeu”. Em outros palavras, a China foi a cunha que aguçou as contradições entre os povos coloniais e o Ocidente. Rejeitando a ideia de que a revolução socialista surgiria nos países desenvolvidos do West, o RAM insistiu que a única solução revolucionária verdadeira era a “ditadura do mundo pela subclasse negra através da Revolução Negra Mundial”. Claro, o RAM não estava funcionando de as definições de hoje; usou “subclasse” para abranger todos os povos de cor na Ásia, América Latina, África e outros lugares; o “subclasse negro” era apenas um sinônimo para o mundo colonial. Para coordenar esta revolução, o RAM pediu a criação de uma Internacional, bem como um “Exército de Libertação Popular em um mundo escala".

Embora o pensamento de Mao tenha se destacado em "A Revolução Negra Mundial", grande parte do documento reflete o pensamento original por parte dos membros do RAM; eles também derivaram de uma fonte de pensamento radical negro. O pronunciamento de W. E. B. Du Bois de que o problema do século XX era o problema da linha de cor embasou grande parte de seu argumento. E assim como Du Bois argumentou em seu livro magistral Black Reconstruction in America (Reconstrução Negra na América), o RAM manteve a posição de que o problema da linha de core está no cerne da luta de classes em escala mundial. Além disso, o panfleto deu uma saudação ao líder comunista indiano M. N. Roy, que debateu Lenin no Segundo Congresso Internacional Comunista em 1920 sobre a "questão nacional-colonial". Roy, eles argumentaram, não apenas reconhecia os movimentos nacionalistas e anticoloniais como uma força revolucionária, mas também insistia que as distinções de classe nas colônias colocavam o campesinato em uma posição mais central do que a pequena burguesia colonial para empreender um movimento revolucionário. Ao ressuscitar Roy, que permanecera relativamente obscuro entre a panóplia de teóricos comunistas, eles revelaram, mais uma vez, uma corrente de pensamento radical do Terceiro Mundo crítico do marxismo ocidental e capaz de oferecer insights onde os radicais europeus falharam.

Apesar de todo o seu nacionalismo estridente, “A Revolução Negra Mundial” conclui que o nacionalismo negro “é realmente internacionalismo”. Somente demolindo o nacionalismo branco e o poder branco a libertação poderia ser alcançada para todos. Não apenas as fronteiras nacionais seriam eliminadas com a “ditadura sobre a subclasse negra”, mas “a necessidade de nacionalismo em sua forma agressiva será eliminada”. Esta é uma declaração bastante notável, dadas as raízes sociais e ideológicas do RAM. Mas, em vez de representar uma posição unificada, a declaração reflete várias tensões que persistiram ao longo da história do RAM. De um lado estavam os nacionalistas que achavam que os revolucionários deveriam lutar primeiro pela nação negra e construir o socialismo separadamente do resto dos Estados Unidos.

Do outro lado estavam socialistas como James e Grace Boggs, que queriam saber quem governaria a nação branca e o que tal presença significaria para a liberdade negra. Eles também rejeitaram os esforços para ressuscitar a tese da “nação negra” - a velha linha comunista de que as pessoas em condados de maioria negra do Sul, o black belt (cinturão negro) tinham o direito de se separar da União. Os Boggs afirmavam que a verdadeira fonte de poder estava nas cidades, não no cinturão negro rural. Em janeiro de 1965, James Boggs renunciou ao seu cargo de presidente ideológico.

 

“Movendo-se com os ritmos de uma nova música”

 

Como membros de uma organização formada principalmente por intelectuais com ensino superior (embora muitos não se matriculassem para participar do movimento em tempo integral), os ativistas do RAM pensaram muito sobre o papel dos estudantes e da pequena burguesia na revolução que se aproximava. Askia Muhammad Toure traçou a história e os limites do reformismo burguês negro (por exemplo, a NAACP, a Liga Urbana, os “chamados líderes negros responsáveis”) e o nacionalismo burguês negro (“'De volta à África', que ainda está lutando contra os laços do neocolonialismo ocidental, ou pedindo 'Estados separados' enquanto a América Branca zomba com desprezo”). Ele então sugeriu que as condições que produziram esta geração de jovens revolucionários também deram origem a uma pequena burguesia radical que “se identifica fortemente com os desejos e aspirações das massas negras”. Este grupo teve uma localização histórica única para “criar uma nova síntese a partir da universalidade militante e voltada para as massas de [Marcus] Garvey e do conhecimento científico e analítico de Du Bois” - uma síntese que permaneceria intransigentemente anti-imperialista e anticapitalista. Max Stanford também reconheceu o potencial revolucionário dentro de certos segmentos da pequena burguesia negra, particularmente entre os estudantes. Em um artigo, “O Nacionalismo Revolucionário e o Estudante Afro-americano” (Revolutionary Nationalism and the Afroamerican Student), publicado em janeiro de 1965, Max Stanford argumentou que os estudantes negros da geração “bebês de guerra” incorporavam várias contradições ao mesmo tempo - contradições que poderiam levá-los a abraçar o capitalismo e os valores brancos, abandonar tudo ou juntar-se ao movimento revolucionário. O fato de que o racismo ainda impedia que esses negros bem-educados e assimilados realizassem suas aspirações pode ser um alerta para a geração mais jovem ou um incentivo para trabalhar mais duro dentro do sistema, ou pode impulsionar alguns para o que Stanford chamou de “sociedade da moda” [hip society]. Em outras palavras, não havia garantia de que os estudantes seguiriam o caminho da revolução, mas as contradições do capitalismo racial e da democracia burguesa levaram à formação de uma “intelectualidade revolucionária capaz de conduzir a América negra à verdadeira libertação”.

Ao mesmo tempo, Stanford sugeriu que o segmento mais alienado da juventude negra da classe trabalhadora, os jovens que se uniram em gangues, ofereceu mais um rico reservatório para a revolução. “As gangues são a força mais dinâmica na comunidade negra. Em vez de lutar contra seus irmãos e irmãs, eles podem ser treinados para lutar contra o ‘Charlie’ [o sistema branco]. Eles podem ser desenvolvidos em uma irmandade de sangue (exército de jovens negros) que servirá como uma força de libertação na revolução negra”. Como as reflexões de Robert Williams sobre a guerra de guerrilha urbana, Stanford antecipou os temas centrais de The Spook Who Sat by the Door, de Greenlee. O artigo de Stanford apareceu na mesma época que a Autobiografia de Malcolm X, que convenceu um número desconhecido de crianças de que até gângsteres de segunda classe poderiam se tornar radicais políticos. Além disso, o BPP em Los Angeles, fundado menos de dois anos após o artigo de Stanford, recrutou vários ex-membros de gangue para suas fileiras. Os líderes dos Panteras em Los Angeles, Bunchy Carter e John Huggins, eram ex-membros de uma gangue de rua chamada Slausons, e seu companheiro de gangue, o irmão Crook (Ron Wilkins), fundou a Community Alert Patrol (Patrulha de Alerta da Comunidade) para desafiar a brutalidade policial no final dos anos 1960.

O próprio RAM teve mais sucesso com os jovens pequeno-burgueses dispostos, como disse o revolucionário africano, Amílcar Cabral, a cometer “suicídio de classe”. Essas eram as pessoas que Stanford rotulou de “os fora-da-lei”, os “nacionalistas negros revolucionários” comprometidos com a revolução mundial. Em maio de 1964, dezenas desses “rebeldes” se reuniram na primeira Conferência de Estudantes Afro-Americanos sobre Nacionalismo Negro no campus da Universidade Fisk. A conferência foi significativa, em parte porque ocorreu antes do discurso de Malcolm X aos ativistas dos direitos civis em Selma - um evento frequentemente considerado um ponto de viragem na conquista de muitos jovens sulistas para o nacionalismo negro. Os participantes da conferência corajosamente pediram o desenvolvimento de um movimento nacionalista radical no Sul e em outros lugares, criticaram os líderes dos direitos civis pelo "reformismo burguês" e ecoaram o sentimento de W.E.B. Du Bois de que “o capitalismo não pode se reformar, um sistema que escraviza você não pode libertar você”, Um punhado de africanos também estava presente, incluindo um jovem acadêmico que apresentou um artigo sobre o pan-africanismo e pediu aos negros americanos que apoiassem a derrubada de “regimes fantoches neocolonialistas” e “o desenvolvimento de uma África socialista”.

Os ativistas do RAM escreveram bastante sobre classe, cultura e internacionalismo, mas como muitos de seus colegas nacionalistas e de esquerda, eles tinham pouco a dizer sobre as mulheres. A revolução era vista como trabalho de homem; as mulheres mal figuravam na equação. De fato, um dos fatos marcantes sobre a história da esquerda antirevisionista é como ela permaneceu dominada por homens. Embora Wanda Marshall tenha sido um dos membros fundadores do RAM, ela não ocupou um cargo de liderança nacional em 1964. Além de promover a criação de "ligas femininas" cujo objetivo seria "organizar mulheres negras que trabalham em lares de brancos", RAM permaneceu relativamente silencioso sobre a libertação das mulheres.

A orientação masculinista do RAM não deve ser surpreendente, dada a orientação masculina das organizações nacionalistas negras - para não mencionar a Nova Esquerda branca - organizações na década de 1960, quer estivessem defendendo os direitos civis ou alguma versão incipiente do Black Power. O masculinismo do RAM, no entanto, foi intensificado pelo fato de que seus líderes se viam como guerrilheiros urbanos, membros de uma versão totalmente negra do Exército Vermelho de Mao. Nem todos os membros do RAM se viam dessa maneira, mas aqueles que o viam estavam profundamente comprometidos com um conjunto de ética revolucionária que Mao havia estabelecido para seu próprio quadro de partido e membros do Exército Popular. Vemos isso muito claramente no "Código de Quadros" do RAM, um conjunto de regras de conduta altamente didáticas que os membros deveriam seguir. Aqui estão alguns exemplos:

“Um nacionalista revolucionário mantém o mais alto respeito por todas as autoridades dentro do partido...”

“Um nacionalista revolucionário não pode ser corrompido por dinheiro, honras ou quaisquer outros ganhos pessoais...”

“Um nacionalista revolucionário subordinará sem hesitação seus interesses pessoais aos da vanguarda [sem] hesitação...”

“Um nacionalista revolucionário manterá o mais alto nível de moralidade e nunca tirará nem uma agulha ou um único pedaço de linha das massas - irmãos e irmãs manterão o máximo respeito uns pelos outros e nunca farão mau uso ou tirarão vantagem uns dos outros para ganho pessoal - e nunca interpretará mal, a doutrina do nacionalismo revolucionário por qualquer motivo...”

As semelhanças com as Citações do Presidente Mao Tse-tung são impressionantes. O último exemplo vem direto das "Três Regras Principais de Disciplina" de Mao, que exorta os dirigentes a "não tirar uma única agulha ou pedaço de linha das massas". Abnegação e compromisso total com as massas é outro tema que domina o Citações. Novamente, as comparações são dignas de nota: “Em nenhum momento e em nenhuma circunstância”, disse Mao,

“um comunista deve colocar seus interesses pessoais em primeiro lugar; ele deve subordiná-los aos interesses da nação e das massas. Consequentemente, egoísmo, negligência, corrupção, busca dos holofotes e assim por diante são os mais desprezíveis, enquanto o altruísmo, trabalhar com toda a sua energia, devoção de todo o coração ao dever público e trabalho árduo e silencioso exigirão respeito.”

A ênfase do RAM na ética revolucionária e na transformação moral, pelo menos em teoria, ressoou nas tradições religiosas negras e, como a Nação do Islã, eles pregavam autocontenção, ordem e disciplina. É bem possível que, em meio a uma contracultura que incorporou elementos de hedonismo e uso de drogas, uma nova onda de estudantes e radicais da classe trabalhadora considerou a ética maoísta atraente. Max Stanford ofereceu uma crítica contundente do que chamou de “sociedade da moda” [hip society], a juventude negra presa entre as realidades do gueto e as aspirações dos brancos. Embora essas contradições na cultura jovem negra tenham sido produzidas pela frustração e alienação, ele caracterizou seu mundo como "hedonista" e "construído na busca por prazer extremo". Ele observou com certo desdém que "os adeptos da sociedade hip se libertam sendo 'duros', cavando jams (ouvindo discos de jazz), 'gozando' (liberando a frustração através da dança de rock n 'roll), fumando maconha, degustando (bebendo pesado), 'fazer as coisas ou cuidar dos negócios' (moral sexual frouxa, às vezes orgias sexuais)”.

Para muitos revolucionários negros, incluindo aqueles não diretamente ligados ao RAM, a dimensão moral e ética do pensamento de Mao estava centrada na noção de transformação pessoal. Ao retornar da China em 1969, Robert Williams insistiu que todos os jovens ativistas negros “passassem por uma transformação pessoal e moral. É necessário um código revolucionário de ética moral rigoroso. Os revolucionários são instrumentos de retidão”. Foi uma lição familiar incorporada nas vidas de Malcolm X e (mais tarde) George Jackson - a ideia de que alguém possui a vontade revolucionária de se transformar. (Essas narrativas eram quase exclusivamente masculinas, apesar do crescente número de memórias de mulheres negras radicais). Independentemente de os membros do RAM seguirem ou não o "Código de Quadros", a ética maoísta serviu para reforçar o status de Malcolm como um modelo revolucionário.

A autotransformação por meio de algum tipo de revolução cultural foi um princípio central na ideologia do RAM. Já em 1964, durante a conferência de estudantes nacionalistas na Universidade Fisk, os ativistas do RAM concordaram que "uma revolução cultural fundamental ou a re-africanização dos negros na América era um pré-requisito para uma revolução negra genuína". Eles falaram de “re-africanização” em termos de uma rejeição do materialismo ocidental em favor de um comunalismo, humanismo e espiritualismo africano essencial que, muitos insistiam, era intrínseco à sociedade africana tradicional. É claro que o esforço para “re-africanizar”, pelo menos no período pós-Segunda Guerra Mundial, é anterior ao RAM. Cantoras negras como Abbey Lincoln, Odetta e Nina Simone não só começaram a usar cabelos curtos "Afros" ou "naturais" no início dos anos 1960, mas também se identificaram com o movimento de libertação africana e o interesse cultural afro-americano na África por meio da formação de grupos como como a Sociedade Americana de Cultura Africana (American Society of African Culture, AMSAC). Até as revistas Ebony, Jet e Sepia cobriam a África, e publicações africanas como Drum estavam sendo lidas por negros nos Estados Unidos que podiam colocar as mãos nelas. Na verdade, já em 1962, Harold Cruse previu que nos próximos anos “Afro-americanos [...] sem dúvida fará muito barulho em manifestações militantes, cultivará barbas e ostentará seus cabelos em vários graus de la mode au naturel, e tenderá a ser um culto com roupas de estilo africano e árabe”.

No entanto, embora o apelo do RAM para "re-africanização" refletisse uma tendência crescente dentro de elementos da cultura jovem negra, particularmente entre intelectuais e artistas de mentalidade nacionalista, a própria ideia de que a cultura era um dos terrenos mais importantes para fazer a revolução foi dada um impulso quando a China declarou sua própria Grande Revolução Cultural Proletária em 1966. Claro, Mao queria dizer algo diferente quando lançou a Revolução Cultural na China - ele estava propondo uma visão da sociedade onde as divisões entre os poderosos e os impotentes eram turvas, onde o status e o privilégio não distinguia necessariamente os líderes dos liderados. Assim, enquanto o apelo de Mao por uma Revolução Cultural significava livrar-se dos vestígios (culturais e outros) da velha ordem, radicais negros como Robert Williams (agora publicando a Crusade da China) estavam falando sobre purgar a cultura negra de uma "mentalidade de escravos". Menos de um ano após o início da Revolução Cultural, Robert Williams publicou um artigo na Crusader intitulado “Reconstituir a Arte Afro-americana para Remoldar Almas Negras” (Reconstitute Afro-American Art to Remold Black Souls), que foi amplamente divulgado entre os membros do RAM. O ensaio de Williams buscou desenvolver a ideia e não a ideologia da Revolução Cultural. Ele convocou os artistas negros a se livrar das algemas das antigas tradições e a fazer arte apenas a serviço da revolução. Da mesma forma, um documento interno do RAM que circulou em 1967, intitulado "Algumas perguntas sobre o período presente" (Some Questions concerning the Present Period), convocou uma revolução cultural negra em grande escala nos Estados Unidos, cujo objetivo seria "destruir os costumes, atitudes e modos opressivos brancos condicionados, costumes, filosofias, hábitos, etc., que o opressor nos ensinou e treinou para nós ter. Isso significa em uma escala de massa uma nova cultura revolucionária”. Também significou o fim dos cabelos processados, clareadores de pele e outros símbolos de papagaio da cultura dominante. Na verdade, a revolução tinha como alvo não apenas negros burgueses assimilados, mas também seus cúmplices - barbeiros e esteticistas!

         

“Um sonho universal que assombra suas noites miseráveis”

 

Depois que a RAM passou anos como uma organização clandestina, a grande imprensa publicou uma série de “denúncias”, incluindo uma matéria particularmente inflamada na revista Life que identificou a RAM como um dos principais grupos extremistas “Planejando uma guerra contra os ‘branquelos’”. O grupo “apoiado por Pequim” não foi apenas considerado armado e perigoso, mas também “muito bem versado na literatura revolucionária - de Marat e Lenin a Mao, Che Guevara e Frantz Fanon”. (O braço do Partido Trabalhista Progressista no Harlem respondeu aos artigos com um panfleto intitulado “A Conspiração contra a América Negra”, que argumentava que a China não estava financiando a revolução, mas apenas dando um exemplo revolucionário por seu ferrenho anti-imperialismo. As verdadeiras causas da rebelião negra, eles insistiam, poderiam ser encontradas nas condições de vida do gueto). Não surpreendentemente, esses artigos altamente divulgados foram seguidos por uma série de batidas policiais nas casas de membros do RAM na Filadélfia e na Nova York. Em junho de 1967, membros do RAM foram presos e acusados de uma suposta conspiração para instigar um motim, envenenar policiais com cianeto de potássio e assassinar Roy Wilkins, secretário da NAACP e Whitney Young, chefe da Liga Urbana Nacional. As acusações não tinham fundamento e foram posteriormente retiradas. Um ano depois, sob a atmosfera repressiva do Programa de Contra-espionagem do FBI (Counterintelligence Program, COINTELPRO), o RAM se transformou no Partido Negro da Libertação (Black Liberation Party), ou Partido Afro-Americano da Libertação Nacional (African American Party of National Liberation). Em 1969, a RAM havia praticamente se dissolvido, embora seus membros optassem por "voltar à comunidade e se infiltrar nas organizações negras existentes", continuar a promover o programa de doze pontos e desenvolver grupos de estudo que enfocavam a "Ciência do internacionalismo negro, e o pensamento do presidente Rob [Robert Williams]”.

 

“Em Movimento Como Nunca Antes na História Humana”

        

É irônico que a morte do RAM tenha coincidido com a Revolução Cultural na China. Em 1966, quando Mao iniciou a Revolução Cultural, a repressão policial havia conduzido a maioria dos membros do RAM ainda mais para a clandestinidade. E, no entanto, foi a Revolução Cultural que pareceu ter o impacto mais direto sobre os movimentos radicais negros nos Estados Unidos.

Sabemos retrospectivamente que milhões de pessoas foram presas, espancadas e mortas em nome da Revolução Cultural; dentro da própria China, dificilmente constituiu um momento brilhante na história socialista. Mas para o mundo exterior da época, pelo menos entre os radicais, projetou uma visão de sociedade onde as divisões entre quem tem poder e quem não tem não existem mais, onde a sociedade pode realmente ser chamada de igualitária. As hierarquias no partido e no Exército Vermelho foram aparentemente eliminadas. A crítica e a autocrítica foram incentivadas, desde que coincidissem com o pensamento de Mao Tse-tung. Os comunistas suspeitos de apoiar uma estrada capitalista foram levados a julgamento. Esperava-se que os intelectuais burgueses na academia e no governo realizassem trabalho manual, trabalhassem entre o povo como uma forma de quebrar as hierarquias sociais. E todos os vestígios da velha ordem deveriam ser eliminados. A juventude, agora a vanguarda, atacou a tradição com força e procurou criar novas formas culturais para promover a revolução. O povo da China agora era chamado para se educar. A Revolução Cultural intensificou os elementos constituintes do Maoísmo: a ideia de rebelião e conflito constantes, o conceito da centralidade das pessoas sobre as leis econômicas ou forças produtivas, a noção de moralidade revolucionária.

Os socialistas Paul Sweezey e Leo Huberman, editores do jornal socialista independente dos Estados Unidos, Monthly Review, reconheceram as enormes implicações que tal revolução teve para os pobres urbanos nos Estados Unidos: “Imaginem o que aconteceria nos Estados Unidos se um presidente convidasse os pobres deste país, com ênfase especial nos negros dos guetos urbanos, a vencer a guerra contra a pobreza para si mesmos, prometendo-lhes a proteção do exército contra represálias!” Claro, os Estados Unidos não são um país socialista e nunca fingiram ser, e apesar de um presidente um tanto simpático, Lyndon Johnson, os negros neste país não eram considerados pelo estado como "o povo". Seus problemas foram um dreno para a sociedade e seus motins ingratos e a proliferação de organizações revolucionárias não geraram muita simpatia pelos pobres negros.

Para muitos na Nova Esquerda, os afro-americanos não eram apenas “o povo”, mas o setor mais revolucionário da classe trabalhadora. A ênfase da Revolução Cultural em eliminar hierarquias e capacitar os oprimidos reforçou a ideia de que a libertação negra está no cerne da nova Revolução Americana. O próprio Mao Tse-tung deu crédito a esse ponto de vista em sua declaração amplamente divulgada de abril de 1968 "em apoio à luta afro-americana contra a repressão violenta". A declaração foi feita durante uma manifestação massiva na China protestando contra o assassinato do Dr. Martin Luther King Jr., na qual Robert Williams e Vicki Garvin estavam entre os palestrantes. De acordo com Garvin, pelo menos “milhões de manifestantes chineses” marcharam na chuva para denunciar o racismo nos Estados Unidos. Em resposta às rebeliões desencadeadas pelo assassinato de King, Mao caracterizou esses levantes urbanos como "um novo toque de clarim para todo o povo explorado e oprimido dos Estados Unidos para lutar contra o domínio bárbaro da classe capitalista monopolista". Ainda mais do que a declaração de 1963, as palavras de Mao dotaram os motins urbanos de importância histórica no mundo da convulsão revolucionária. Sua declaração, bem como a lógica geral da "teoria da nova revolução democrática" de Lin Biao, justificou o apoio aos movimentos nacionalistas negros e seu direito à autodeterminação.

Foi no contexto das rebeliões urbanas que várias correntes de radicalismo negro, incluindo o RAM, convergiram e deram origem ao Partido dos Panteras Negras para Autodefesa em Oakland, Califórnia. Embora fosse talvez a organização negra mais visível a promover o pensamento de Mao, segundo alguns relatos, seus membros eram provavelmente os menos sérios quanto à leitura dos escritos marxistas, leninistas ou maoístas e ao desenvolvimento de uma ideologia revolucionária. Fundado por Huey Newton e Bobby Seale, um ex-membro do RAM, os Panteras foram muito além dos limites do Merritt College e recrutaram o “lumpemproletariado”. Grande parte dos membros engajam-se mais em slogans do que em qualquer outra coisa, e sua bíblia era o "Pequeno Livro Vermelho".

O fato de os Panteras serem marxistas, pelo menos em retórica e programa, foi uma das fontes de sua disputa com a Organização dos Estados Unidos (US Organization) de Ron Karenga e outros grupos que eles desprezaram ironicamente como nacionalistas culturais. Claro, não apenas os Panteras tinham sua própria agenda nacionalista cultural, mas os chamados nacionalistas culturais não eram um monólito ou uniformemente pró-capitalistas. E as divisões entre esses grupos foram exacerbadas pela COINTELPRO. Ainda assim, havia uma diferença fundamental entre a evolução da ideologia do socialismo e da luta de classes dos Panteras e a dos grupos nacionalistas negros, mesmo na esquerda. Como Bobby Seale explicou em uma entrevista de março de 1969,

“Estamos falando sobre socialismo. Os nacionalistas culturais dizem que o socialismo não fará nada por nós. Existe a contradição entre o velho e o novo. Os negros não têm tempo para praticar o racismo negro e as massas negras não odeiam os brancos apenas por causa da cor de sua pele [...]. Não vamos sair tolamente e dizer que não há possibilidade de nos alinharmos com alguns revolucionários brancos justos, ou outros povos pobres e oprimidos neste país que possam vir a ver a luz sobre o fato de que é do sistema capitalista que eles devem se livrar.”

Como os Panteras chegaram a esta posição e as divisões dentro do partido sobre sua postura é uma história longa e complicada que não podemos abordar aqui. Para nossos propósitos, queremos fazer alguns comentários breves sobre a adoção do pensamento de Mao pelo partido e sua posição em relação à autodeterminação negra. Para Huey Newton, cuja contribuição para a ideologia do partido rivaliza com a de Eldridge Cleaver e George Jackson, a fonte do marxismo dos Panteras foram as revoluções chinesa e cubana. Os chineses e cubanos desenvolveram uma análise diretamente de suas respectivas histórias, e não das páginas do Capital. Os exemplos chinês e cubano, de acordo com Newton, capacitaram os Panteras a desenvolver seu próprio programa único e a descartar os insights teóricos de Marx e Lenin que tinham pouca ou nenhuma aplicação à realidade negra. Na verdade, uma rápida leitura do "Programa de Dez Pontos" dos Panteras revela claramente que Malcolm X continuou a ser uma de suas maiores influências ideológicas.

Eldridge Cleaver foi um pouco mais explícito sobre o papel do maoísmo e o pensamento do líder comunista coreano Kim Il Sung na reformulação do marxismo-leninismo para o benefício das lutas de libertação nacional dos povos do Terceiro Mundo. Em um panfleto de 1968 intitulado "Sobre a Ideologia do BPP (Parte 1)" (On the Ideology of the BPP, Part 1), Cleaver deixou claro que os Panteras eram um partido marxista-leninista, mas acrescentou que Marx, Engels, Lenin e seus seguidores contemporâneos não ofereceram muitos insights a respeito para compreender e combater o racismo. A lição era adotar e alterar o que era útil e rejeitar o que não era. Cleaver escreveu,

“Com a fundação da República Popular Democrática da Coreia em 1948 e da República Popular da China em 1949, algo novo foi inserido no marxismo-leninismo e deixou de ser apenas um fenômeno estreito e exclusivamente europeu. O camarada Kim Il Sung e o camarada Mao Tse-tung aplicaram os princípios clássicos do marxismo-leninismo às condições de seus próprios países e, assim, transformaram a ideologia em algo útil para seu povo. Mas eles rejeitaram a parte da análise que não era benéfica para eles e tinha apenas a ver com o bem-estar da Europa.”

Na opinião de Cleaver, a crítica mais aguda à cegueira do marxismo ocidental em relação à raça veio de Frantz Fanon.

Ao se verem como parte de um movimento de libertação nacional global, os Panteras também falaram da comunidade negra como uma colônia com um direito inerente à autodeterminação. No entanto, ao contrário de muitos outros grupos maoístas negros ou inter-raciais, eles nunca defenderam a secessão ou a criação de um estado separado. Em vez disso, descrever os negros como sujeitos coloniais foi uma forma de caracterizar a natureza materialista do racismo; era mais uma metáfora do que um conceito analítico. Autodeterminação foi entendida como o controle da comunidade dentro do ambiente urbano, não necessariamente o estabelecimento de uma nação negra. Em um artigo apresentado na convenção de fundação do Partido da Paz e da Liberdade, em março de 1968, Cleaver tentou esclarecer a relação entre a unidade inter-racial na revolução dos EUA e a "libertação nacional na colônia negra". Por um lado, ele essencialmente pediu uma abordagem dupla em que radicais brancos e negros trabalhassem juntos para criar coalizões de organizações revolucionárias e desenvolver uma máquina política e militar que pudesse derrubar o capitalismo e o imperialismo. Por outro lado, ele pediu um plebiscito patrocinado pela ONU que permitiria aos negros determinar se desejam se integrar ou se separar. Tal plebiscito, argumentou ele, traria clareza aos negros sobre a questão da autodeterminação, assim como os movimentos de independência da primeira onda na África tiveram que decidir se queriam manter algum status de domínio alterado ou alcançar a independência completa.

Cleaver representou uma ala do partido mais interessada na guerra de guerrilha do que em reconstruir a sociedade ou fazer o trabalho árduo de organização de base. A atração por Mao, Kim Il Sung, Giap, Che e, por falar nisso, Fanon, eram os escritos desses pensadores sobre a violência revolucionária e as guerras populares. Muitos teóricos dos Panteras com estilo próprio se concentraram tanto no desenvolvimento de táticas para sustentar a revolução iminente que pularam uma boa parte dos escritos de Mao. Reconhecendo o problema, Newton procurou mover o partido de uma ênfase na guerra de guerrilha e violência para uma discussão mais profunda e rica sobre o que a visão do partido para o futuro podia acarretar. Logo após sua libertação da prisão em agosto de 1970, ele propôs a criação de um "instituto ideológico" onde os participantes realmente liam e ensinavam o que ele considerava os "clássicos" - Marx, Mao e Lenin, bem como Aristóteles, Platão, Rousseau, Kant, Kierkegaard e Nietzsche. Infelizmente, o programa ideológico não foi muito importante; poucos membros do partido viram o uso de teorização abstrata ou a relevância de alguns desses escritos para a revolução. Além disso, o fato de que Citações do Presidente Mao se parecer mais ou menos com um manual para guerrilheiros não ajudou muito. Até Fanon foi lido de forma bastante seletiva, sendo seu capítulo “Sobre a Violência” um eterno favorito entre os militantes. George Jackson contribuiu para a ênfase teórica dos Panteras na guerra, já que muitos de seus próprios escritos, de Soledad Brother a Blood in My Eye, se baseavam em Mao principalmente para discutir a resistência armada sob o fascismo. Os esforços para ler as obras de Marx, Lênin ou Mao além das questões relacionadas à rebelião armada nem sempre encontraram um público disposto entre os Panteras. Sid Lemelle, então um ativista radical da California State University em Los Angeles, lembra de ter entrado em contato com alguns Panteras que se juntaram a um grupo de estudos patrocinado pela Liga Comunista da Califórnia (California Communist League). A leitura, que incluía os Quatro Ensaios sobre Filosofia de Mao e longas passagens das obras selecionadas de Lenin, acabou sendo demais e eles acabaram deixando o grupo em meio a um debate tempestuoso.

Talvez a seção menos lida do Citações do Presidente Mao, pelo menos por homens, foi o capítulo de cinco páginas sobre as mulheres. Em uma época em que as metáforas para a libertação negra eram cada vez mais masculinizadas e os líderes do movimento negro não apenas ignoravam, mas perpetuavam a opressão de gênero, até mesmo o mais marxista dos movimentos nacionalistas negros menosprezava a “Questão da Mulher”. O BPP certamente não foi exceção. De fato, foi durante a mesma reunião histórica do SDS em 1969, onde os Panteras invocaram Marx, Lenin e Mao para expulsar o Partido Trabalhista Progressivo (Progressive Labor Party, PLP) por sua posição sobre a questão nacional, que o Ministro da Informação dos Panteras, Rufus Walls, deu seu discurso infame sobre a necessidade de ter mulheres no movimento porque elas possuíam "poder de xoxota". Claramente uma decolagem vernacular na linha de Mao de que "as mulheres da China são uma vasta reserva de força de trabalho [...] [que] deve ser aproveitado na luta para construir um grande país socialista”, a declaração de Walls acabou sendo uma defesa profundamente antifeminista da participação das mulheres.

Embora a própria história da China na Questão da Mulher seja bastante sombria, a frase de Mao de que "as mulheres sustentam metade do céu", bem como seus breves escritos sobre a igualdade das mulheres e a participação no processo revolucionário, deram à libertação das mulheres alguma legitimidade revolucionária na esquerda. Claro, o Maoísmo não fez o movimento: o fato é que as lutas das mulheres dentro da Nova Esquerda desempenharam o papel mais importante na reorientação dos movimentos de esquerda em direção a uma agenda feminista ou, pelo menos, colocando o feminismo na mesa. Mas para as mulheres negras dos Panteras que suspeitavam do "feminismo branco", a linguagem de Mao sobre a igualdade das mulheres forneceu espaço dentro do partido para desenvolver uma agenda feminista negra incipiente. Como a recém-nomeada Ministra da Informação, a Pantera Elaine Brown anunciou em uma entrevista coletiva logo após retornar da China em 1971 que “o BPP reconhece a liderança progressiva de nossos camaradas chineses em todas as áreas da revolução. Especificamente, abraçamos o reconhecimento correto da China do status adequado das mulheres como iguais ao dos homens”. Mesmo além da retórica, as Panteras mulheres negras como Lynn French, Kathleen Cleaver, Erica Huggins, Akua Njere e Assata Shakur (anteriormente Joanne Chesimard) sustentaram a tradição de criar espaços livres dentro de organizações existentes dominadas por homens para desafiar múltiplas formas de exploração que as mulheres negras da classe trabalhadora enfrentam diariamente. Por meio do café da manhã gratuito e dos programas educacionais dos Panteras, por exemplo, as mulheres negras criaram estratégias que, em vários graus, desafiaram o capitalismo, o racismo e o patriarcado. E, em alguns casos, as mulheres afro-americanas radicais alcançaram posições de destaque e, às vezes apenas por exemplo, contribuíram para o desenvolvimento de uma perspectiva feminista negra, militante e consciente de sua classe. Em alguns casos, a força crescente de uma perspectiva feminista de esquerda negra, apoiada por certos slogans maoístas sobre a Questão da Mulher, moldou as futuras formações maoístas negras. Um exemplo óbvio é o Partido da Vanguarda Negra (Black Vanguard Party), outro grupo maoísta da Bay Area ativo em meados dos anos 1970, cuja publicação Juche! manteve uma perspectiva socialista-feminista consistente. Michelle Gibbs (também conhecida como Michelle Russell, seu nome de casada na época) promoveu uma ideologia feminista negra como partidária de Detroit da Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários (League of Revolutionary Black Workers) e membro do Congresso dos Trabalhadores Negros (Black Workers Congress). Um "bebê de fralda vermelha" cujo pai, Ted Gibbs, lutou na Guerra Civil Espanhola e que cresceu em uma casa onde Paul Robeson e a artista Elizabeth Catlett eram convidados ocasionais, a perspectiva socialista-feminista negra de Gibbs fluiu de sua experiência política, dos escritos de escritoras feministas negras e de uma panóplia de pensadores radicais que vão de Malcolm, Fanon e Amilcar Cabral a Marx, Lenin e Mao. Por outro lado, a organização feminista radical predominantemente branca Redstockings não foi apenas influenciada pelos escritos de Mao, mas modelou-se um pouco no movimento Black Power, particularmente nas estratégias separatistas do movimento e na identificação com o Terceiro Mundo.

Ironicamente, a maior identificação do BPP com a China ocorreu no exato momento em que o status da China entre a esquerda começou a declinar em todo o mundo. A disposição de Mao em hospedar o presidente Nixon e o apoio da China aos governos repressivos do Paquistão e Sri Lanka deixaram muitos maoístas nos Estados Unidos e em outros lugares desiludidos. No entanto, Newton e Elaine Brown não apenas visitaram a China na véspera da viagem de Nixon, mas também anunciaram que sua entrada na política eleitoral foi inspirada pela entrada da China na ONU. Newton argumentou que a mudança dos Panteras Negras em direção à política eleitoral reformista não contradiz "o objetivo da China de derrubar o imperialismo dos EUA nem [foi] uma abnegação dos princípios revolucionários. Foi uma tática de revolução socialista”. Ainda mais incrível foi o abandono completo de Newton da autodeterminação negra, que ele explicou em termos de desenvolvimentos na economia mundial. Em 1971, ele concluiu com bastante presciência que a globalização da economia tornou obsoleta a ideia de soberania nacional, mesmo entre os países socialistas. Assim, as demandas dos negros por autodeterminação não eram mais relevantes; a única estratégia viável era a revolução global. “Os negros nos EUA têm o dever especial de desistir de qualquer reivindicação de nacionalidade agora mais do que nunca. Os EUA nunca foram nosso país; e realisticamente, não há território para reivindicarmos. De todas as pessoas oprimidas do mundo, estamos na melhor posição para inspirar a revolução global”.

Em muitos aspectos, a posição de Newton sobre a questão nacional estava mais próxima de Mao do que a de muitas organizações autoproclamadas maoístas que surgiram na década de 1970. Apesar de suas próprias declarações em apoio aos movimentos de libertação nacional e a "teoria das revoluções democráticas" de Lin Biao, Mao não apoiou organizações independentes por causa das suas posições nacionalistas. Para ele, o nacionalismo negro parecia um particularismo étnico ou racial. Afinal, ele era um nacionalista chinês que tentava unificar camponeses e proletários e eliminar as divisões étnicas em seu próprio país. Devemos nos lembrar de sua declaração de 1957, na qual exigia que os progressistas na China “ajudassem a unir o povo de nossas várias nacionalidades [...] não os divida”. Assim, embora reconhecendo que o racismo era um produto do colonialismo e do imperialismo, sua declaração de 1968 insistia que a “contradição entre as massas negras nos Estados Unidos e nos círculos dominantes dos EUA é uma contradição de classe [....] As massas negras e as massas de trabalhadores brancos nos Estados Unidos compartilham interesses comuns e têm objetivos comuns pelos quais lutar”. Em outras palavras, a luta negra estava fadada a se fundir com o movimento da classe trabalhadora e derrubar o capitalismo.

Na questão da libertação dos negros, entretanto, a maioria das organizações maoístas americanas fundadas do início a meados da década de 1970 tomaram a liderança de Stalin, não de Mao. Os negros nos Estados Unidos não eram simplesmente proletários de pele negra, mas uma nação, ou, como disse Stalin, “uma comunidade estável e historicamente desenvolvida de linguagem, território, vida econômica e constituição psicológica manifestada em uma comunidade de cultura”. Grupos marxistas que abraçaram a definição de Stalin de nação, como o Partido Comunista Trabalhista (Communist Labor Party, CLP) e a Liga de Outubro (October League), também ressuscitaram a posição do velho Partido Comunista de que os afro-americanos nos condados do black belt do Sul constituíam uma nação e tinham direito a separar-se se eles desejassem. Por outro lado, grupos como o PLP - outrora defensor do “nacionalismo revolucionário” - assumiu uma posição de repúdio a todas as formas de nacionalismo no início da Revolução Cultural.

O CLP foi talvez o defensor mais consistente da autodeterminação negra entre os movimentos marxista-leninistas. Fundado em 1968 principalmente por afro-americanos e latinos, as raízes do CLP podem ser rastreadas até o antigo Comitê Organizador Provisório (Provisional Organizing Committee, POC) - em si mesmo uma consequência da divisão de 1956 no CPUSA que levou à criação de dois grupos separados chamados Martelo e Aço (Hammer and Steel) e o Movimento Trabalhista Progressivo (Progressive Labor Movement). Assolado por uma década de divisões internas, o POC se tornou uma organização predominantemente negra e porto-riquenha, dividida entre Nova York e Los Angeles. Em 1968, a liderança de Nova York expulsou seus camaradas de Los Angeles por, entre outras coisas, se recusar a denunciar Stalin e Mao. Por sua vez, o grupo de Los Angeles, em grande parte sob a orientação do veterano marxista negro Nelson Peery, fundou a Liga Comunista da Califórnia (California Communist League) naquele mesmo ano e começou a recrutar jovens trabalhadores e intelectuais radicais chicanos e negros. A casa de Peery no centro-sul de Los Angeles já havia se tornado uma espécie de ponto de encontro para jovens radicais negros após o levante de Watts; ele organizou grupos informais para estudar história, economia política e obras clássicas do pensamento marxista-leninista-maoísta e recebeu todos os tipos de ativistas, desde os Panteras Negras a ativistas estudantis da California State University em Los Angeles ao Los Angeles Community College. A Liga Comunista da Califórnia posteriormente se fundiu com um grupo de militantes do SDS que se autodenominam Associação de Trabalhadores Marxistas Leninistas (Marxist Leninist Workers Association) e formou a Liga Comunista (Communist League) em 1970. Dois anos depois, eles mudaram seu nome novamente para Partido Comunista Trabalhista (Communist Labor Party, CLP).

Exceto talvez pelo longo ensaio de Harry Haywood, “Rumo a uma Posição Revolucionária sobre a Questão do Negro” (Towards a Revolutionary Position on the Negro Question), publicado pela primeira vez em 1957, mas mantido em circulação ao longo das décadas de 1960 e 1970, o livro curto de Nelson Peery, The Negro National Colonial Question (A Questão Negra Nacional Colonial), de 1972, foi provavelmente a defesa da autodeterminação negra nos círculos Marxistas-Leninistas-Maoistas mais lida na época. Peery foi duramente criticado por sua defesa do termo “Negro”, uma posição difícil de manter no seio do movimento Black Power. Mas Peery tinha razão: a identidade nacional não era sobre cor. A nação negra era uma comunidade estável, historicamente desenvolvida, com sua própria cultura, língua (ou melhor, dialeto) e território - os condados do black belt e suas áreas circundantes, ou essencialmente os treze estados da Velha Confederação. Como os brancos do sul compartilhavam com os afro-americanos um território comum e, segundo ele, uma língua e cultura comuns, eles também eram considerados parte da “nação negra”. Mais precisamente, os brancos do sul compunham a “minoria anglo-americana” dentro da nação negra. Como evidenciado na música soul, spirituals e rock and roll, Peery insistiu, o que emergiu no sul foi uma cultura híbrida com fortes raízes africanas manifestadas na forma de contos folclóricos de escravos e bandagens femininas. Jimi Hendrix e Sly and the Family Stone, bem como os imitadores brancos Al Jolson, Elvis Presley e Tom Jones, foram todos citados como exemplos de uma cultura compartilhada. Ele até viu a cultura da “soul” embutida nos hábitos alimentares: “O costume de comer pés de porco, ossos do pescoço, ervilha-preta, couve, inhame e tripas estão todos associados à região do sul, particularmente a Nação Negra”.

O posicionamento de Peery dos brancos do sul como parte da Nação Negra foi um golpe de gênio, especialmente porque uma de suas intenções era desestabilizar as categorias raciais. No entanto, às vezes seu compromisso com a definição de Stalin de nação enfraquecia seu argumento. No exato momento em que a migração em massa e a urbanização estavam esgotando o sul rural de sua população negra, Peery insistia que o black belt era a pátria natural dos negros. Ele até tentou provar que um campesinato negro e um proletariado rural estável ainda existiam no black belt. Como a questão fundiária foi o alicerce sobre o qual se construiu seu entendimento de autodeterminação, ele acabou falando muito pouco sobre a nacionalização da indústria ou da produção socializada. Assim, ele poderia escrever em 1972: “A questão colonial nacional do negro só pode ser resolvida com a devolução da terra às pessoas que a trabalharam durante séculos. Na Nação Negra, essa redistribuição de terras exigirá uma combinação de fazendas estatais e empresas cooperativas, a fim de melhor atender às necessidades das pessoas nas condições da agricultura mecanizada moderna”.

O movimento com talvez as raízes mais profundas na política cultural negra da década de 1960 que desenvolveu uma posição marxista-leninista maoísta um tanto semelhante à do RAM foi a Liga Comunista Revolucionária (Revolutionary Communist League, RCL) - fundada e liderada por ninguém menos que o poeta, crítico e ativista Amiri Baraka. Para entender a história ideológica da RCL, precisamos voltar a 1966, quando Baraka fundou a Spirit House em Newark, New Jersey, com a ajuda de ativistas locais e também de pessoas com quem ele havia trabalhado no Black Arts Repertory Theatre do Harlem. Embora os artistas da Spirit House estivessem envolvidos na organização política local desde o início, o espancamento de Baraka e de vários outros ativistas pela polícia durante o levante de Newark em 1967 os politizou ainda mais. Após o levante, eles ajudaram a organizar um congresso Black Power em Newark, que atraiu vários líderes negros nacionais, incluindo Stokely Carmichael e H. Rap Brown do SNCC, Huey Newton do BPP e Imari Obadele da recém-formada República da Nova África (Republic of New Africa), em parte uma extensão do RAM. Pouco depois, a Spirit House se tornou a base do Comitê por um Newark Unificado (Committee for a Unified Newark, CFUN), uma nova organização composta por Irmãos Unidos (United Brothers), Defesa e Desenvolvimento da Comunidade Negra (Black Community Defense and Development) e Irmãs da Cultura Negra (Sisters of Black Culture). Além de atrair nacionalistas negros, muçulmanos e até mesmo alguns marxistas-leninistas-maoístas, o CFUN carregava a marca da Organização dos Estados Unidos (US Organization) de Ron Karenga. CFUN adotou a versão de nacionalismo cultural de Karenga e trabalhou em estreita colaboração com ele. Embora tenham surgido tensões entre Karenga e alguns dos ativistas de Newark sobre seu tratamento às mulheres e a estrutura de liderança excessivamente centralizada que o CFUN importou da Organização dos Estados Unidos, o movimento continuou a crescer. Em 1970, Baraka rebatizou CFUN de Congresso dos Povos Africanos (Congress of African Peoples, CAP), transformou-o em uma organização nacional e, em sua convenção de fundação, rompeu com Karenga. Os líderes do CAP criticaram duramente o nacionalismo cultural de Karenga e aprovaram resoluções que refletiam uma virada para a esquerda - incluindo uma proposta para arrecadar fundos para ajudar a construir a ferrovia Tanzânia-Zâmbia.

Existem várias fontes para explicar a curva à esquerda de Baraka durante este período. Um tem a ver com a dolorosa lição que aprendeu sobre as limitações dos políticos negros "pequeno-burgueses". Depois de desempenhar um papel central na eleição de 1970 de Kenneth Gibson, o primeiro prefeito negro de Newark, Baraka testemunhou um aumento na repressão policial (incluindo ataques a manifestantes do CAP) e o fracasso de Gibson em cumprir o que prometera à comunidade afro-americana. Sentindo-se traído e desiludido, Baraka rompeu com Gibson em 1974, embora não tenha desistido totalmente do processo eleitoral. Seu papel na organização da primeira Assembleia Política Nacional Negra (National Black Political Assembly) em 1972 reforçou em sua mente o poder da política negra independente e a força potencial de uma frente única negra.

Outra fonte para explicar a curva à esquerda de Baraka foi o coordenador regional da Costa Leste do CLP, William Watkins. Nascido e criado no Harlem, Watkins estava entre um grupo de estudantes negros radicais da California State University em Los Angeles que ajudou a fundar a Liga Comunista. Em 1974 ele conheceu Baraka, que estava tentando encontrar alguém que avançasse em sua compreensão do marxismo-leninismo. “Passávamos horas em seu escritório”, lembrou Watkins, “discutindo o básico - como mais-valia”. Por cerca de três meses, Baraka se encontrou com Watkins regularmente; Watkins ensinou-lhe os fundamentos da economia política e tentou expor as limitações do nacionalismo cultural. Essas reuniões certamente influenciaram a virada para a esquerda de Baraka, mas quando Watkins e Nelson Peery pediram a Baraka para se juntar ao CLP, ele se recusou. Embora ele tenha aprendido a apreciar o marxismo-leninismo-maoísmo, ele não estava pronto para se juntar a uma organização multirracial. A luta negra estava em primeiro lugar.

É apropriado que a fonte mais importante da radicalização de Baraka tenha vindo da África. Assim como a primeira curva à esquerda de Baraka depois de 1960 foi estimulada pela Revolução Cubana, a luta no sul da África o levou a virar à esquerda após 1970. O evento principal foi a criação do Comitê de Apoio à Libertação da África (African Liberation Support Committee, ALSC) em 1971. Originou-se com um grupo de nacionalistas negros liderados por Owusu Sadaukai, diretor da Malcolm X Liberation University em Greensboro, Carolina do Norte, que viajou para Moçambique sob a égide da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). O presidente da FRELIMO, Samora Machel (que, coincidentemente, estava na China ao mesmo tempo que Huey Newton) e outros militantes persuadiram Sadaukai e seus colegas de que o papel mais útil que os afro-americanos poderiam desempenhar no apoio ao anticolonialismo era desafiar o capitalismo americano de dentro e deixar o mundo sabe a verdade sobre a guerra justa da FRELIMO contra a dominação portuguesa. Um ano depois, durante a sua última visita aos Estados Unidos, Amilcar Cabral, líder do movimento anticolonial na Guiné-Bissau e nas ilhas de Cabo Verde, disse essencialmente a mesma coisa. Além disso, Cabral e Machel representavam movimentos explicitamente marxistas; eles rejeitaram a ideia de que as sociedades africanas pré-coloniais eram inerentemente democráticas e praticavam uma forma de “comunismo primitivo” que poderia lançar as bases para o socialismo moderno. Em vez disso, eles afirmaram que as sociedades africanas não eram imunes à luta de classes e que o capitalismo não era o único caminho para o desenvolvimento.

O ALSC refletiu a orientação radical dos movimentos de libertação na África portuguesa. Em 27 de maio de 1972, o aniversário da fundação da Organização da Unidade Africana (Organization of African Unity), o ALSC realizou a primeira manifestação do Dia da Libertação da África (African Liberation Day, ALD), atraindo cerca de 30.000 manifestantes apenas em Washington, DC, e cerca de 30.000 mais em todo o país. O Comitê Coordenador do ALD consistia de representantes de várias organizações nacionalistas e negras de esquerda, incluindo a Organização Juvenil pela Unidade Negra (Youth Organization for Black Unity, YOBU); o Partido Revolucionário do Povo Africano (All- African People’s Revolutionary Party, AAPRP) liderado por Stokely Carmichael (Kwame Ture); a Organização do Povo Pan-Africano (Pan-African People’s Organization); e o Congresso de Trabalhadores Negros (Black Workers Congress, BWC), influenciado pelos maoístas. Como o ALSC reuniu uma gama tão ampla de ativistas negros, tornou-se uma arena de debate sobre a criação de uma agenda radical negra. Embora a maioria dos organizadores do ALSC fosse ativamente anti-imperialista, o número de marxistas negros em posições de liderança acabou sendo um ponto de discórdia. Além de Sadaukai, que iria desempenhar um papel importante na Liga dos Trabalhadores Revolucionários (Revolutionary Workers League, RWL) de orientação maoísta, os principais líderes do ALSC incluíam Nelson Johnson, futuro líder do Partido Comunista dos Trabalhadores (Communist Workers Party, CWP) e Abdul Alkalimat (um escritor brilhante e membro fundador da RWL). Já em 1973, ocorreram divisões dentro do ALSC sobre o papel dos marxistas, embora quando a poeira baixou um ano depois, os marxistas da RWL, o BWC, o Congresso Revolucionário dos Trabalhadores (um desdobramento do BWC), o CAP e a Organização da Perspectiva dos Trabalhadores (Workers Viewpoint Organization), precursora do CWP permaneceu na organização. Infelizmente, disputas internas e sectarismo provaram ser demais para o ALSC lidar. A política externa chinesa deu o golpe final; o seu apoio à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) durante a guerra civil angolana de 1975 e a sugestão do Vice-Primeiro-ministro Li Xiannian de que o diálogo com a África do Sul branca era melhor do que a insurreição armada, colocaram os maoístas negros no ALSC numa posição difícil. Em três anos, o ALSC entrou em colapso total, trazendo a um desfecho desfavorável, talvez a organização anti-imperialista mais dinâmica da década.

No entanto, a experiência de Baraka no ALSC alterou profundamente seu pensamento. Como ele lembra em sua autobiografia, na época da primeira manifestação do Dia da Libertação da África em 1972, ele estava “indo para a esquerda, eu estava lendo Nkrumah e Cabral e Mao”. Em dois anos, ele estava convocando os membros do CAP para examinar “a experiência revolucionária internacional (ou seja, as revoluções russa e chinesa) e integrá-la com a prática da revolução africana”. Suas listas de estudo foram expandidas para incluir trabalhos como os Quatro Ensaios de Filosofia de Mao, os Fundamentos do Leninismo de Stalin e História do Partido Comunista da União Soviética (Curso Curto). Até 1976, o CAP dispensou todos os vestígios de nacionalismo, mudou seu nome para Liga Comunista Revolucionária (Revolutionary Communist League, RCL) e procurou se refazer em um movimento marxista-leninista-maoísta multirracial. Talvez como forma de estabelecer suas amarras ideológicas como movimento antirevisionista, a RCL seguiu a nobre tradição de ressuscitar a tese do black belt. Em 1977, a RCL (provavelmente Baraka) publicou um artigo intitulado "The Black Nation", que analisou os movimentos de libertação negra de uma perspectiva marxista-leninista-maoísta e concluiu que os negros no sul e nas grandes cidades constituíam uma nação com uma direito inerente à autodeterminação. Embora rejeitando a “integração burguesa”, o ensaio argumentou que a luta pelo poder político negro era central para a luta pela autodeterminação.

A RCL tentou colocar sua visão de autodeterminação em prática por meio de esforços para construir uma frente única negra. Organizou coalizões contra a brutalidade policial, mobilizou apoio para greve de trabalhadores de refeitórios e trabalhadores de manutenção, criou um Comitê do Povo sobre Educação (Committee on Education) para desafiar cortes orçamentários e moldar a política educacional e protestou contra a decisão de Bakke. A organização de base da RCL e a construção de coalizão colocou seus membros em contato com a Liga de Luta Revolucionária (League of Revolutionary Struggle, LRS), um movimento baseado na Califórnia formado a partir de uma fusão entre I Wor Kuen, a organização maoísta sino-americana, e o predominantemente chicano Movimento do 29 de Agosto (August Twenty-ninth Movement, Marxista-Leninista). Em 1979, a RCL e a LRS decidem se unir, sendo uma das bases de seu programa conjunto o apoio à tese da nação negra. Como resultado da fusão e dos debates que a precederam, a posição da RCL mudou ligeiramente: os negros do sul e os chicanos no sudoeste constituíam nações oprimidas com direito à autodeterminação. Em contraste, para os negros presos nos guetos do Norte, a luta por direitos iguais tinha precedência sobre a questão da terra.

Invariavelmente, a fusão durou pouco, em parte devido a divergências sobre a questão da autodeterminação e a presença contínua do que os quadros do LRS consideravam como o “nacionalismo estreito” no RCL. A presidente do LRS, Carmen Chang, nunca se sentiu confortável com a tese da nação negra, mas a aceitou em nome da unidade. O grupo de Baraka, em contraste, nunca abandonou a unidade negra pela luta de classes multirracial. E como um artista obstinado com raízes profundas no Movimento das Artes Negras (Black Arts Movement), Baraka persistentemente focou seus interesses culturais e políticos nas contradições da vida negra sob o capitalismo, imperialismo e racismo. Para Baraka, como para muitos dos personagens discutidos neste ensaio, essa não era uma simples questão de nacionalismo estreito. Pelo contrário, compreender o lugar da opressão racista e da revolução negra no contexto do capitalismo e do imperialismo foi fundamental para o futuro da humanidade. Na tradição de Du Bois, Fanon e Harold Cruse, Baraka insistia que o proletariado negro (portanto colonial) era a vanguarda da revolução mundial “não por causa de algum chauvinismo místico, mas por causa de nosso lugar na história objetiva [....] Somos a vanguarda porque estamos na parte inferior e, quando levantamos para ficar de pé, tudo o que está em cima de nós tomba”.

Além disso, apesar de sua imersão na literatura marxista-leninista-maoísta, seu próprio trabalho cultural sugere que ele sabia, como a maioria dos radicais negros, que a questão de saber se os negros constituíam uma nação não seria resolvida através da leitura de Lenin ou Stalin. Se alguma coisa pudesse ser resolvida, as batalhas aconteceriam, para melhor ou para pior, no terreno da cultura. Embora o Movimento das Artes Negras tenha sido o principal veículo para a revolução cultural negra nos Estados Unidos, é difícil imaginar como seria essa revolução sem a China. Os radicais negros agarraram a Grande Revolução Cultural Proletária pelos chifres e a remodelaram à sua própria imagem.

As operações do COINTELPRO explicam apenas parcialmente a dissolução do RAM e os vários movimentos que se seguiram. Também podemos apontar uma série de erros estratégicos, sendo o mais flagrante a ânsia dos movimentos de enfrentar o estado de frente e atacar ousadamente qualquer um que eles considerassem enganadores ou reformistas. Consequentemente, grupos como a RAM foram incapazes de construir uma base sólida nas comunidades urbanas negras. Parte do problema está na ênfase do movimento no potencial libertador da violência revolucionária. Seria injusto acusar o RAM sozinha por isso, porque praticamente todos os seus contemporâneos nos movimentos revolucionários, especialmente em meados da década de 1960, entendiam a violência como inevitável. Eles sofreram terror extremo de grupos como agências policiais estaduais, “esquadrões vermelhos” locais da polícia e o FBI, e muitas vezes foram levados à autodefesa armada pelas circunstâncias em questão. Ao mesmo tempo, eles liam Fanon, prestavam atenção à guerra de guerrilhas no Terceiro Mundo e sabiam dos muitos grupos de autodefesa armados que desempenhavam um papel fundamental na proteção dos manifestantes pelos direitos civis. Mas porque Fanon argumentou que a violência era, pelo menos para o campesinato argelino, um passo necessário na criação de um novo homem revolucionário, os jovens negros que aceitaram a enorme tarefa de derrubar o imperialismo dos EUA podem ter dado muito crédito à guerra.  Na verdade, acho que os ativistas do RAM estavam tão preocupados com a autodefesa e em como vencer militarmente que dedicaram pouco tempo e energia à questão mais fundamental de todas: que tipo de mundo eles queriam construir se vencessem. Talvez fosse uma questão de falta de imaginação política, pois, como indiquei anteriormente, os militantes do RAM nunca realmente se envolveram em violência - eles apenas escreveram e falaram sobre isso. Alguns de seus primeiros membros ajudaram a formar organizações que participaram de campanhas armadas de autodefesa - notadamente o BPP, o Exército de Libertação Negra (Black Liberation Army) e a República da Nova Afrika (Republico f New Afrika). No entanto, a questão da violência e da guerra permaneceu no centro da estratégia política do RAM.

Por outro lado, a RAM dificilmente foi um fracasso. Embora nunca tenha recebido a glória ou publicidade concedida a grupos como o BPP, sua influência excedeu em muito seus números - não muito diferente da Fraternidade de Sangue Africano (African Blood Brotherhood, ABB) quatro décadas antes. O sucesso do RAM deve ser medido em termos de suas contribuições teóricas e seu trabalho "agitprop". Suas publicações e fóruns colocaram consistentemente o movimento negro pela liberdade em um contexto internacional, traçaram analogias poderosas entre a condição negra nos Estados Unidos e as dos povos colonizados em todo o mundo, ofereceram críticas incisivas ao capitalismo e à democracia burguesa voltada para as comunidades urbanas negras, e elevou o nacionalismo negro revolucionário a uma posição de importância teórica crítica para a esquerda em geral. Ao colocar uma crítica ao neocolonialismo e ao imperialismo no centro de sua teoria, os militantes do RAM nunca se preocuparam em apoiar os regimes negros reacionários na África ou no Caribe. Eles rejeitaram categoricamente a unidade racial incondicional e desenvolveram um nacionalismo baseado em um conceito mais amplo de solidariedade revolucionária ao Terceiro Mundo.

Acima de tudo, o RAM contribuiu para uma tradição quase esquecida no radicalismo negro: esse pequeno grupo de jovens, na maioria intelectuais do sexo masculino, eram internacionalistas antes de se tornarem nacionalistas. Eles lutaram pelos guetos da América do Norte, mas viram sua luta em termos globais. Seu Golias era todo o mundo ocidental, não apenas Kennedy e Johnson, ou mesmo os Rockefellers. E eles entraram na batalha com a sensação de que a vitória era inevitável, pois nem mesmo a classe dominante poderia controlar o clima. Ouça novamente Askia Muhammad Toure: “Quanto tempo o ‘Mundo Livre’ branco tem antes que o Gongo da História anuncie a Tempestade? Quem sabe em dias, meses, em anos? Uma coisa é certa: está chegando tão certo quanto o Grande Sol nasce no Leste e ilumina o planeta, dissipando a névoa nebulosa e a escuridão tenebrosa da longa, fria e miserável Noite.”

Mas uma pergunta permaneceu sem resposta: O que traria o amanhecer que se aproxima e o que construiríamos depois da tempestade?

 

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———. “Robert Williams: Interview.” Black Scholar, v. 1, no. 7, May 1970, pp. 5–14.

Wood, Joe, ed. Malcolm X: In Our Own Image. New York: St. Martin’s Press, 1992.

Woodard, Komozi. A Nation within a Nation: Amiri Baraka (LeRoi Jones) and Black Power Politics. Chapel Hill, N.C.: University of North Carolina Press, 1998.

Zangrando, Robert L. The NAACP Crusade against Lynching, 1909–1950. Philadelphia: Temple University Press, 1980.

 

[1] Publicação Original: Kelley, Robin D.G. “‘Roaring from the East’: Third World Dreaming’. In Kelley, Robin D. G., Freedom Dreams: the Black Radical Imagination. Boston: Beacon Press, 2002, pp. 60-109. Uma parte desse texto foi coescrito com Betsy Esch. Tradução: Matheus Cardoso da Silva, Doutor em História Social, USP e Sean Purdy, Professor do Departamento de História, USP. Revisão Técnica: Kauan Willian da Silva, Doutor em História Social, USP. Na publicação original, não notas de rodapé, mas todas as fontes das citações se encontram na bibliografia no fim do texto. O autor, atualmente Professor Titular de História na Universidade de California em Los Angeles, que detém os direitos autorais do artigo, gentilmente deu permissão para a publicação dessa tradução.

[2] Ver Horne, Gerald, Black and Red: W.E.B. Du Bois and the Afro-American Response to the Cold War, 1944-1963. New York: State University Press of New York, 1986; Plummer, Brenda Gayle, Rising Wind; Black Americans and U.S. Foreign Affairs, 1935-1960. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996; Von Eschen, Penny M., Race Against Empire: Black Americans and Anticolonialism, 1937-1957. Ithaca: Cornell University Press, 1997; James, Winston, Holding Aloft the Banner of Ethiopia: Caribbean Radicalism in Early Twentieth-Century America. New York: Verso, 1999; Layton, Azza Salama, International Politics and Civil Rights Policies in the United States, 1941-1960. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; Dudziak, Mary L. Cold War Civil Rights: Race and the Image of American Democracy. Princeton: Princeton University Press, 2000; Meriweather, James H., Proudly We Can Be Africans: Black Americans and Africa, 1935-1961. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2002; Anderson, Carol, Eyes Off the Prize: The United Nations and the African American Struggle for Human Rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2003; Gaines, Kevin K. American Africans in Ghana: Black Expatriates and the Civil Rights Era. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2006.

[3] Citação da orelha do livro.

[4] Hammer and Hoe: Alabama Communists during the Great Depression. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1990. Uma segunda edição foi lançada pela mesma editora em 2015 para comemorar o aniversário de 25 anos do livro.

[5] Race Rebels: Culture, Politics, and the Black Working Class. New York: The Free Press, 1994; with Howard Zinn and Dana Frank, Three Strikes: The Fighting Spirit of Labor's Last Century. Boston: Beacon Press, 2001; Thelonious Monk: The Life and Times of an American Original. The Free Press, 2009; Africa Speaks, America Answers: Modern Jazz in Revolutionary Times. Cambridge: Harvard University Press, 2012; Into the Fire: African Americans Since 1970. New York: Oxford University Press, 1996; with Vincent Harding and Earl Lewis, We Changed the World: African Americans, 1945-1970. Oxford University Press, 1997.

[6] “Walter Rodney’s Russian Revolution and the Curious Case of Rosa Luxemburg,” in Jane Gordon and Drucilla Cornell, eds., Creolizing Rosa Luxemburg. New York: Rowman and Littlefield, 2020; “’There Will Come Thousands of Angelo Herndons’: Fighting Fascism, 1929 – 1934,” in Keisha N. Blain and Ibram X. Kendi, eds., Four Hundred Souls: A Community History of African America, 1619-2019. New York: Random House, 2021; “From the River to the Sea to Every Mountain Top: Solidarity as Worldmaking,” Journal of Palestine Studies, v. 48 n. 4, 2019, pp. 69-91; Yo’ Mama’s Disfunktional!: Fighting the Culture Wars in Urban America. Boston: Beacon Press, 1997; “Inseguro: Policiamento sob o capitalismo racial”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, vol.15, n.1, jan-abr 2022, pp, 379-409.

 


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